Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa, bananas e cidadania planetária

A reação proativa do jogador Daniel Alves, ao comer a banana que lhe foi atirada em um jogo entre o Barcelona e o Villareal (27/4), alcançou maior abrangência em ressignificação da ofensa pretendida do que a multa e a exclusão infringidas ao milionário Donald Sterling, banido do Los Angeles Clippers e das franquias da NBA, a liga americana de basquete profissional. Em ambos os casos comprovou-se que a maior punição de um infrator é o castigo moral, doloroso à medida da amplitude e tanto mais efetivo quanto mais restituir em um ser humano a capacidade de se envergonhar.

Nem todas as punições logram o seu mais nobre intento: agregar resultados pedagógicos às consequências, para o injuriante e perante à coletividade, hoje, inseridos num contexto de esfera pública global. É preciso, no entanto, que acontecimentos da relevância desses que envolvem torcedores e cartolas racistas não se diluam na fugacidade de um certo torvelinho que suga com voracidade os acontecimentos midiáticos para um metafísico hiperespaço de amnésia.

Um fato pode evoluir da simples esfera da informação para a complexa esfera da comunicação, à medida em que ele seja apropriado coletivamente como oportunidade para o reconhecimento de um valor moral compartilhado, ainda mais quando um simples gesto é catalisado como ícone (comer uma banana), signo deflagrador de reações espontâneas em cadeia, como se deu nas televisões e redes sociais de todo o mundo, simultaneamente à cobertura global das manifestações em repúdio ao magnata indecoroso. Pagasse ele silenciosamente a multa e a dor ficaria restrita ao seu largo bolso. O vexame midiático o obrigará ou à atitude magnânima de pedir desculpas, ou petrificar-se na incompetência de evoluir na escala dos costumes.

Ferramenta imprescindível

Tecnicamente, a Psicologia do Desenvolvimento Moral considera que até o início da juventude um ser humano já passou pelos estágios construtivos de amadurecimento: cognitivo, linguístico e moral. Lamentavelmente, nesse terceiro fator alguns ficam para trás, a despeito das conquistas cognitivas e comunicativas: daí a explicação para cientistas, milionários e políticos sem escrúpulos; ou, pelo contrário, de pessoas que não tiveram a chance da ilustração, mas avançaram no patrimônio moral (conduta e reputação), a despeito das condições adversas enfrentadas. A pesquisadora Barbara Freitag descobriu elevados índices de desenvolvimento moral (na escala de Kohlberg) entre favelados.

O campo do Direito tem evoluído muito na compreensão da efetividade das penas. Já não predomina o simples enfoque penal, aquele que gravita mais em torno do crime e do castigo em si (sentido de vingança). Outros estágios vêm-se somando às práticas jurídicas: penas alternativas e pedagógicas, entre elas, a justiça restauradora (da capacidade de reconhecer culpa, dever e padrões de convivência) e, mais recentemente, a justiça terapêutica, quando se descobre que traumas e extravios das noções de certo e errado (nas sociopatias, por exemplo) requerem outra natureza de tratamento do delito.

Muito difícil, no entanto, contornar cenários marcados por patologias sociais de contágio coletivo, como é o racismo. Mas, tão facilmente como pode se alastrar nas plateias, pode ser combatido quando a informação recebe por parte da imprensa um tratamento para além factual. É quando o jornalismo deixa de ser um simples ismo do cotidiano para se transformar numa ferramenta imprescindível de uma sociedade (agora, global) que se pretende autorreflexiva.

******

Luiz Martins da Silva é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília