Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A situação está sob controle

O governador de São Paulo Cláudio Lembo entrou para a História com uma afirmativa que, se pueril, tem uma notável carga emblemática. A situação, é claro, está sob controle dos bandidos há muito tempo. Mas a frase do governador paulista expressa de forma estupenda o que se passa em muitos outros palácios de governo. Seus ocupantes comem brioche enquanto fazem a festa com o soldo da maquina administrativa. Não têm tempo – e muito menos motivo – para olhar pela janela. Se olhassem, poderiam ver a quem obedece a população que paga essa conta.


Não é desde o Dia das Mães que as gentes de São Paulo ou do Rio de Janeiro têm suas vidas organizadas e consentidas por meliantes cuidadosamente cultivados por quem se elege com a promessa de combatê-los. A lei de fato, os códigos de comportamento e os valores éticos são os estabelecidos pelo tráfico desde que o populismo se impregnou nas veias por onde corre a miséria. O comércio, o transporte, as escolas, tudo reza pela mesma cartilha. A ordem social é mantida pelos efêmeros padrões de tolerância do terrorismo urbano. Mas a situação está sob controle – exatamente como o suicida que passa pela janela pode assegurar que até aí vai tudo bem.


Episódio simbólico


A situação está sob controle. O que a mídia tem feito para lembrar à sociedade quem está no controle da situação?


Como exceção, dando destaque a reportagens sérias sobre o crescimento desordenado das favelas, como aconteceu recentemente em O Globo. Como regra, promovendo a pirotecnia da bobagem, elucubrando sobre providências como a necessidade de se desfilar de lenço branco a cada vez que uma presa tem impacto midiático, e por aí afora.


Quando isso acontece, a mídia se transforma numa brava aliada dos malfeitores investidos de mandato político. São eles que historicamente estimulam a criação de núcleos paralelos de poder onde a população não tem nada a perder – mas tem muitos votos a dar.


A submissão ao oficialismo, quando se trata de segurança pública em regiões em guerra civil, como São Paulo ou Rio de Janeiro, é como os lencinhos brancos na orla. Rende a cumplicidade fácil, a rápida impressão do engajamento na ‘luta pela paz’. Gera boas fotos, comparáveis apenas aos expressivos tons cinzentos da marginalidade glamurizada, para deleite das peruas que finalmente podem comentar o que não está nas colunas sociais. A pieguice é a principal aliada do discurso demagógico.


Este, é mais fácil de ser encontrado do que bocas-de-fumo. Enquanto São Paulo ardia, o ex-secretário de Segurança Pública do Rio, Anthony Garotinho, aparecia no programa Canal Livre, da Band, explicando o que se deve fazer para conter a violência urbana. O episódio é carregado de simbolismo. Poucas horas antes, o secretário de Segurança de São Paulo vaticinava que um celular pode ser mais perigoso que uma arma. Pois uma câmera pode ser mais perigosa que um celular.


Explicações de praxe


Quando não está explicitamente na defesa de bandidos de colarinho branco que nos casos mais torpes pagam as suas contas (o que, diga-se, tornou-se menos freqüente na grande imprensa), a mídia come o mesmo brioche assado nos fornos palacianos. Sonega à sociedade brasileira a foto que poderia ser tirada daquela janela, esconde a imagem do que está acontecendo na paisagem urbana do país.


São Paulo vai se acalmar, a Copa do Mundo vai começar e logo depois a campanha eleitoral estará nas ruas. Os veículos vão respeitar a lei eleitoral e eventualmente um candidato ganhará alguns segundos de direito de resposta. As coisas estarão em seu lugar.


Tudo não passou de um susto. São Paulo viveu um espasmo de violência que não mais se repetirá e que será devidamente explicado pelos sociólogos. A população pode ter certeza que está tudo sob controle.