Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

Agência Câmara muda notícia para agradar “chefes”

Assustei-me na manhã da última terça-feira, 26/04, quando li no portal Comunique-se uma matéria com a seguinte manchete: “Agência Câmara adultera matéria de 2014 e tenta omitir que apenas 36 deputados se elegeram com os próprios votos” [Redação Comunique-se. Agência Câmara adultera matéria de 2014 e tenta omitir que apenas 36 deputados se elegeram com os próprios votos. 2016. Disponível em: http://portal.comunique-se.com.br/destaque-home/80862-agencia-camara-adultera-materia-de-2014-e-tenta-omitir-que-apenas-36-deputados-se-elegeram-com-os-proprios-votos-info, acessado em 26/04/2016]. Abri o portal e fui ver do que se tratava.

A informação publicada originalmente trata da eleição de 36 deputados com o chamado voto próprio. O nosso atual sistema eleitoral, por ser assim feito e respaldado na lei 9.504 de 1997 [BRASIL. LEI Nº 9.504, DE 30 DE SETEMBRO DE 1997], é, para os cargos de representação no legislativo, baseado no chamado coeficiente eleitoral, com exceção das vagas para senador que, por princípios tanto de quantidade de vagas, 1 ou 2 eleitos por pleito, e pelo seu papel no sistema federalista de representação dos Estados, e não da população, como lemos profundamente nos textos dos federalistas americanos [HAMILTON, A; JAY. J; MADISON, J. The Federalist. Indianapolis: Liberty Fund, 2001. 656 p.], os “pais” desta fundamentação. Trata-se da soma de todos os eleitores aptos àquele pleito, sendo dividido por esta soma o número de vagas para o determinado estado, para chegarmos ao chamado coeficiente eleitoral, numa explicação simplória.

Digamos que um estado hipotético @ tenha 1.000.000 de eleitores. Sendo 10 vagas para deputado federal, por exemplo, para que um partido ou coligação eleja representante, é necessário que o somatório dos votos atribuídos a todos os seus candidatos seja de pelo menos 1.000.000/10 = 100.000 votos. Assim, podemos ver que a força da eleição é do grupo, e não do candidato, já que o sistema é feito para valorizar os partidos. Contudo, a existência do mesmo leva a bons e maus resultados, a depender da visão que colocamos.

Na última eleição, apenas 36 deputados federais conseguiram alçar o coeficiente eleitoral sem a ajuda de outros candidatos de seu partido. O que isto quer dizer? A quantidade de votos que receberam foi suficiente para passar a barreira dos, no caso hipotético do Estado @, 100.000 votos. Somente 36 foram eleitos com “seus próprios votos”.

Os deputados eleitos sem a “ajuda de outros candidatos”

O senso comum social, seja da mídia ou da população leiga em direito, nos diz que o sistema é equivocado e inapropriado. O certo, já que o sistema é de representação, de que os deputados mais votados fossem eleitos e não as vagas destinadas as coligações partidárias. Esta concepção contrapõe diversos autores da ciência política e do Direito, que acreditam que as teses de representação partidária e por coeficiente são mais interessantes para o jogo da democracia e favorecem as, como chamadas pelo federalistas, “facções”, que possuem menos força e menos puxadores de votos. Obvio que o sistema pode ser corrompido, utilizando deste mesmo artifício com a eleição de quadros que não representam o pluralismo e nem as facções de menos força, mas são puxados pelo Tiriricas, Eneias, Russomanos da vida. Mas isto são problemas do jogo político.

A minha questão, após esta introdução é a seguinte: por que cargas d’água a agência Câmara decidiu alterar um texto de 2014, suprimindo relevantes partes do mesmo, para, como disseram no final do texto em uma nota de asterisco em negrito, (*) Esta matéria foi atualizada em 19/4/2016 para garantir uma explicação correta do funcionamento do sistema de eleição proporcional no Brasil. Ao contrário do que dizia o texto anterior, não foi apenas um determinado número de deputados que se elegeu com os seus próprios votos. Todos os deputados são eleitos com os seus próprios votos dentro das regras do sistema proporcional. “Portanto, todos os deputados têm a mesma legitimidade nos seus mandatos.”

A agência Câmara está corretíssima em procurar garantir explicações corretas sobre as coisas que ocorrem no nosso Congresso, os projetos que são apresentados, as falas dos congressistas e o sistema de funcionamento da casa e do seu regimento, das suas resoluções, das suas leis e do seu ingresso. Apresentar de forma clara para que os leigos entendam do jogo jurídico, prolixo e necessário dos negócios parlamentares é de extrema importância. Mas a questão é exatamente esta palavra: negócios.

A matéria originária apresentava uma tabela com os deputados eleitos sem a “ajuda de outros candidatos”, descrevia com exemplos o sistema de ingresso ao poder legislativo, falava como cita o Comunique-se “os outros 477 [candidatos] eleitos foram ‘puxados’ por votos dados à legenda ou a outros candidatos de seu partido ou coligação” etc. o texto originário tinha uma função: tentar mostrar ao eleitor como, efetivamente, o jogo era feito.

O “chefe” da agência é o contribuinte

Como, na prática um deputado era eleito de forma solo e por que causa a maioria não o era. Não o é, pois o sistema não é feito para o ser. Esta ideia tem de estar clara na cabeça de todos nós. A agência Câmara não estava fazendo campanha política, atacando o sistema, jogando contra o mesmo, tentando criar na cabeça do leitor que o sistema é bom ou ruim. A agência e a matéria, originalmente de autoria das jornalistas Lara Haje e Daniella Cronemberger, possuíam uma função clara. Tentar explicar o por quê era daquela forma e quem era eleito sem a necessidade do coeficiente.

Mas o problema aqui, vejo, não foi este. Foi o interesse que se sobrepôs. A alteração foi feita dois dias depois da votação pela admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Lembrei que uma das histórias que saíram durante e após tal acontecimento era exatamente baseada na informação apresentada pelo site da agência Câmara. Só 36 deputados foram eleitos sem precisar, na disputa do coeficiente eleitoral, de votos de outros candidatos para os ajudar. A informação gerou diversos debates e opiniões sobre o nosso sistema e uma possível falha no mesmo. Por uma quantidade tão relevante estar lá pela ajuda do voto de outros, e não apenas dos seus.

Que bom que a discussão nasceu, floresceu e tomou tamanho. É necessário que possamos discutir sobre tais assuntos na esfera pública e repensar nossos negócios e formas de representação. Contudo, a agência Câmara fazer esta alteração à surdina, querendo apagar uma informação que estava disponível há 17 meses é, no mínimo, inapropriado. É necessária, sim, “uma explicação correta do funcionamento do sistema de eleição proporcional no Brasil”, mas que ela seja feita em outra matéria, com este objetivo, com este lide e querendo falar disto. Não alterando algo que estava há 17 meses intocável, para que os “chefes”, caros deputados, não fiquem chateados com a informação verídica que foi passada.

Aí está outra palavra que nos é importante. Chefe. O chefe tem convicção, que ordenaram tal ato, foram da esfera política. Tal ordem veio de cima e não foi desejo das repórteres. Estes chefes, como muitos outros, usam da sua força de coação, coerção e de poder para intimidar jornalista e editores, ainda mais em órgãos de informação pública como estes, para que sua imagem não fique manchada. E esta interferência é extremamente perigosa e prejudicial para os negócios da república, para o papel da comunicação pública e da mídia. O chefe verdadeiro da agência Câmara é a nação brasileira. Abstrata, metafísica, imaterial. Mas existente. Ela serve ao povo, que você não vê na rua, porém sabe que existe. Ela serve a pátria mãe e aos preceitos do bom jornalismo e a ele deve servir. Não aos interesses escusos e ante publicitários de alguns chefes momentâneos.

Que venham novos tempos na agência Câmara, na agência Senado, na Voz do Brasil e em todas as mídias públicas de comunicação. O chefe deve ser a verdade, a nação, a informação clara e verídica. E não o homem que veste momentaneamente, o crachá de deputado da República Federativa do Brasil.

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Bruno Henrique de Moura é jornalista e estudante de Direito