Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Campanha antibaixaria perde ibope

A apresentadora Sônia Abrão, da Rede TV!, que entrevistou ao vivo o sequestrador da estudante Eloá Pimentel, ficou, em 2008, em quinto lugar no ranking da baixaria na TV, da Câmara dos Deputados. E daí? Alguém ficou sabendo?

Lançada em 2002, a campanha ‘Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania’ já fez muito barulho ao divulgar listas de programas considerados de baixo nível e pressionar seus anunciantes. Hoje tem pouca visibilidade e não causa mais a mesma preocupação às TVs.

Acabou também a ONG TVer, fundada em 1997 por Marta Suplicy e outros profissionais de psicologia, comunicação e educação, que ganhou holofotes ao bradar contra a baixa qualidade televisiva. Será que a TV brasileira passou a ser inatacável ou as pessoas simplesmente não estão mais interessadas em discuti-la?

Nenhuma das hipóteses, para o sociólogo Laurindo Lalo Leal, professor da USP e um dos fundadores da TVer. Ele apresenta na TV Brasil e TV Câmara o programa ‘Ver TV’, que acaba de completar três anos e trata de temas como ‘sexo na TV’, ‘o negro é maltratado na TV?’ e ‘o uso que os grupos fazem das concessões’.

‘De fato, houve um certo refluxo na publicidade dos movimentos pela qualidade e controle da TV, mas eles continuam. Nesses três anos do programa ‘Ver TV’, observei que a sociedade segue crítica em relação à televisão e gosta de falar sobre seu conteúdo’, afirma.

Em sua opinião, o movimento, antes concentrado no barulho que as ONGs faziam, foi, após essa pressão inicial, absorvido pelo governo, Congresso e o Ministério Público (MP). ‘Com isso, passamos a resultados práticos, como a nova classificação indicativa, que obriga as TVs a colocar um selo com a idade recomendada para os programas, o projeto de lei que restringe propaganda infantis e ações do MP, como as que tiraram do ar Gugu e João Kléber.’

Ele também acredita que a programação da TV sofreu uma ‘melhora sutil’ em relação à baixaria. ‘Mas ela é concentrada na programação nacional. Nos Estados, especialmente os do Nordeste, a TV é uma barbárie. E já existem movimentos regionais importantes contra essa baixaria’, afirma Leal.

A antropóloga Esther Hamburger, chefe do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA-USP, afirma que ‘a TV perdeu espaço no debate público, com a queda de audiência e o crescimento do acesso à internet, especialmente pelo público jovem’. ‘A TV não traz novidades e perdeu a capacidade de provocação. Isso não significa que a programação melhorou, mas que não tem tanta repercussão’, declara.

Para ela, ‘o cinema da retomada hoje tem mais visibilidade’. ‘Filmes como ‘Tropa de Elite’ e ‘Ônibus 174′ trouxeram à tona o tema da violência, e a TV veio a reboque. Nos anos 80, era a televisão quem puxava as discussões no país. Hoje ela continua a ser muito consumida, mas não está mais ocupando esse espaço’, avalia.

Em sua opinião, ‘a mobilização da sociedade contra a baixaria, alguns anos atrás, surtiu efeito, e as TVs hoje têm mais cuidado com o que exibem’. ‘Mas elas não precisam ficar mornas por isso. Podem ser provocativas sem baixaria.’ Diante da queda ‘sutil’ da baixaria, a campanha antibaixaria da Câmara discute como recuperar a visibilidade, conta Ricardo Moretzsohn, representante do Conselho Federal de Psicologia no movimento.

‘O ranking da baixaria continua a ser o DNA da campanha, mas ela hoje se insere em outros debates, por exemplo o da publicidade para crianças, a de bebidas alcoólicas e a Conferência Nacional de Comunicação, anunciada por Lula para este ano, que discutirá a legislação da radiodifusão.’ São assuntos, diz Moretzsohn, com ‘menos apelo direto’. ‘Baixaria todo mundo quer discutir’.

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Repórter da Folha de S.Paulo