Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Fevereiro, um mês em sete notas

Revelação

Em algum lugar do passado, ‘apocalipse’ virou sinônimo de cataclismo mundial. No dia 2 de fevereiro, foram necessários 2.500 cientistas para revelar que o homem, muito provavelmente, é a criatura mais estúpida do universo.

Os resultados do Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC) são inequívocos: todos vamos morrer. E de causas naturais! Esta constatação, cientificamente embasada, propagou-se pela mídia como catástrofe imediata. Parêntese: algo semelhante deve ter ocorrido na passagem do cometa Halley pela Terra, no ano de 1910.

Noves fora, a principal revelação do painel foi exatamente esta: a mídia tem um relacionamento tão distante das questões ambientais quanto um peixe em relação ao deserto do Saara. Lembrando que o combustível para loucuras coletivas é a ignorância, não é de estranhar que os resultados do encontro em Paris tenham espalhado o pânico nas redações brasileiras.

Classificação indicativa

A campanha veiculada pelas redes Globo e SBT contra a proposta de classificação etária para os programas da televisão aberta foi daquelas de coçar o queixo: ‘Aí tem!’.

Se a moda pega, teremos em breve uma campanha dos fabricantes de brinquedos contra a classificação indicativa estampada nos seus produtos.

Crime e castigo

Os brasileiros somos desprovidos do dom de pensar, de analisar um fato sob vários ângulos e criticar. Com este público-alvo, fica difícil cobrar da mídia conteúdo. Em fevereiro, por exemplo, tivemos a cobertura do inclassificável assassinato do menino João Hélio Fernandes Vieites, tão profunda quanto um pires.

Quando o assunto é violência cometida por menores de idade, o quarto poder brasileiro fica aprisionado em dois arquétipos: ‘filho de rico sempre escapa da cadeia’ e ‘precisamos reduzir a maioridade penal’. No caso do menino João Hélio, a imprensa adotou o discurso ‘precisamos reduzir a maioridade penal’.

Em 20 de abril de 1997, Galdino Jesus dos Santos foi queimado vivo por cinco jovens de classe alta – um deles, menor de idade – enquanto dormia em um ponto de ônibus na capital federal. Em 12 de setembro do mesmo ano, juízes do Tribunal de Justiça do Distrito Federal decidiram, em sessão secreta, substituir a pena do menor por liberdade assistida. Não houve na imprensa o clamor pela redução da maioridade penal, como está sendo visto agora. Por quê?

Porque filho de rico sempre escapa da cadeia.

‘Violênciabras’

A indústria da violência é um dos setores econômicos mais prósperos e lucrativos do Brasil. Só para ilustrar, esta indústria compreende empresas de seguro, de equipamentos de segurança (câmeras, cercas eletrificadas, blindagem, travas e alarmes automotivos etc.), empresas de segurança e transporte de valor, escritórios de advocacia (como o do ministro Márcio Thomaz Bastos), fabricantes de armas, cursos de defesa pessoal, além da própria imprensa em si.

Não sejamos ingênuos: com tanta gente ganhando dinheiro com a violência, quem deseja, de fato, combatê-la?

Robin Mantega

A ‘Violênciabras’, ao contrário do que a imprensa pró-tucana prega, não é obra do governo petista, embora seja inegável o viés esquerdista de apoio à ‘justiça social pelas armas’ no governo Lula. O raciocínio, posto de forma simplista, é este: quando o MST invade uma fazenda, considera-se justiça social. Quando um indivíduo marginalizado rouba um veículo, está sendo feita uma redistribuição de bens: afinal de contas, o ‘bacana terá o carro restituído pelo seguro’. E por aí vai.

Esses partidários das atenuantes sócio-econômicas, do discurso da violência gerada por pessoas marginalizadas pela sociedade, vivendo em condições subumanas, pregam que o endurecimento da lei puniria essencialmente os pobres, o que seria duplamente injusto. Seria uma espécie de ‘todo poder aos pobres’, um ressarcimento aos menos favorecidos.

Esse discurso canhestro foi adotado pelos Mantega, mantidos como reféns por meliantes supergentis durante assalto na terça-feira de carnaval. Acabou funcionando como uma releitura do famoso bordão de Kate Lyra: ‘Brasileiro é tão bonzinho!’

Frases vazias para preencher lacunas

Ainda no assunto violência, fevereiro foi marcado pela farta veiculação de opiniões pouco embasadas, demagógicas e esdrúxulas sobre o tema. Vamos a três destas:

** (Desa)feto assassino – ‘Fico imaginando que se a gente aceitar a diminuição da maioridade penal para 16 anos, amanhã estarão pedindo para 15, depois para 10 e depois para 9. Quem sabe, um dia queiram culpar até o feto, se souberem o que pode acontecer no futuro.’ (Do presidente Lula, durante evento em São Paulo, transcrito do Dia Online).

A última frase, aparentemente extraída do filme Minority Report, (‘Quem sabe, um dia queiram culpar até o feto, se souberem o que pode acontecer no futuro’), revela exatamente o que o governo fará para fechar as portas da Violênciabras: nada.

** Curso de etiqueta para assaltos sofisticados – ‘Eliane [Mantega] disse ao Globo que os bandidos separaram os empregados e afirmaram que não ‘roubariam pessoas pobres como eles próprios’, mas foram ‘supergentis’ com os demais.’ (Transcrito do Globo Online)

Já que a ‘Violênciabras’ veio para ficar, a turma do ‘andar de cima’ parece disposta a disseminar conceitos de etiqueta e boas maneiras para os crimes contra os mais abastados.

** Morte mais mortífera – ‘Cada estado tem que encontrar sua identidade cultural e sua realidade criminal. A realidade criminal do Acre não é igual à realidade do Rio de Janeiro’, (Do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, transcrito da Agência Brasil)

Traduzindo: os estados querem controlar a ‘Violênciabras’. Ao invés de guerra fiscal, os estados poderão atrair investimentos da indústria da violência através de brechas na legislação penal, funcionando como incentivo econômico a determinados segmentos da ‘Violênciabras’.

Posso até imaginar a resposta do governo federal a esta proposta: ‘nem a pau, seu Cabral’.

Produto nacional

E lá se foi o carnaval, período de divulgação do produto brasileiro mais conhecido no mundo. Já foi o pau-brasil, o café, quem sabe a caipirinha tenha sido, mas, hoje em dia, ninguém destrona nosso carro-chefe: o sexo.

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Engenheiro, Rio de Janeiro, RJ