Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

FHC e a mídia, tudo a ver

De tempos em tempos, a imprensa – o Estadão, em particular – parece pensar que o país tem a obrigação de ouvir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passar a limpo a história contemporânea, com ênfase, é claro, nas nuances da política doméstica, conforme o vetusto jornalão voltou a fazer em sua edição de domingo (13/1). Como de hábito, nada muito bombástico, coerente com a imagem de comedimento e elegância que ele sempre cultivou dentro ou fora do poder. Mas desta vez, reconheça-se: de maneira especialmente lúcida e sensata, seja pelo diagnóstico realista do atual contexto político-econômico mundial e da situação e perspectivas do país e de seu partido, o PSDB, ou pela surpreendente benevolência com o governo, mesmo quando diz que Lula governa para agradar à elite.

Na entrevista, de três páginas e com direito a uma capa incrementada do caderno ‘Aliás’, concedida aos jornalistas Laura Greenhalgh e Fred Melo Paiva, o FHC de sempre – fluente, articulado, cioso do papel ainda preponderante que representa em nosso cenário político. A diferença está na posição quase conciliadora com que aborda as sempre polêmicas questões político-partidárias, reiterando as antigas críticas, é verdade, mas não deixando de reconhecer a habilidade de Lula na condução de um programa de governo que prima pela improvisação, conduzida, segundo ele, muito mais na base da tática do que da estratégia. O que não o impediu de atribuir à própria auto-suficiência do governo o fato de a oposição ter barrado a CPMF, confirmando o que a rigor já se sabia: ‘que se, de início, tivessem dado metade do que ofereceram depois, a oposição teria aceito’.

Personagens de ribalta

Submetido a um cardápio extenso e variado, o grão-tucano, conforme os entrevistadores, assume de vez o papel de arquiteto de um país que, apesar dos pesares, acredita não ter-se desviado dos rumos traçados em seu governo. Crença alimentada até pela impressão de que, ideologicamente falando, Lula se identifica muito mais com ele do que com o próprio PT. ‘Lula é mais conservador do que inovador. Em campanha, defende o povo, no governo agrada à elite’, decreta, lembrando um comentário de José Dirceu, que teria dito que diante de uma opção mais transformadora e outra menos, Lula ficará sempre com a segunda.

Se os jornalistas apostavam em declarações mais ácidas por conta da recente fama de incendiário que andou recebendo, mormente depois da queda de braço com o governo que culminou com a derrubada da CPMF, o ex-presidente não fez mais do que botar água fria na fervura, como ao reconhecer que o prestígio de Lula transcende mesmo a costumeira ligação que se faz aos programas assistencialistas, mais especificamente o Bolsa Família. Ao lhe ser perguntado se o programa garantiria o respaldo popular de Lula para um hipotético terceiro mandato, respondeu enfaticamente que não. ‘Nem ele foi reeleito por causa disso. O jogo é mais complexo’, cravou.

Só não se pense que tais concessões, pinçadas ao longo da extensa entrevista, possam ter arruinado uma pauta tão bem elaborada. Mal comparando, FHC me lembra o Pelé de meus tempos de jornalista esportivo, que sempre rendia um material interessante. E não deu outra: além de sua privilegiada visão sobre os temas mais variados, envolvendo desde política internacional, valorizada pelo olhar caricato que lança sobre personagens de ribalta, como Bush e Hugo Chávez, ao contrário do fenômeno Obama, ele não deixa de desdenhar o esforço de Lula para se apropriar do que diz ser obra sua.

Mestre da diplomacia

‘O Lula pode estrebuchar, mas o que está acontecendo no país não veio por acaso. Ele fez uma porção de coisas, mas tudo isso começou lá atrás, e com dificuldades, pois o PT se opunha a tudo. Fizemos o ‘Avança Brasil’, que era isso – um sistema de prioridades para obras, articulando o orçamento. Mudaram o nome e retomaram o programa, o que está certo, só que perderam cinco anos. E como não propõem nada novo, não querem admitir que estão dando continuidade, alfineta, sem deixar de reconhecer, de qualquer forma, que o Brasil vem melhorando. ‘Mais do que isso’,complementa. ‘O Brasil mudou de patamar. Porque nos integramos à economia global, aprendemos a competir.’

Mesmo reafirmando não ter mais aspirações políticas, ao menos no que tange a cargos, ele diz não abrir mão de continuar fazendo política, como articulista e estrategista do PSDB, e como tal botar um pouco de lenha na fogueira, já que ‘está tudo muito morno’. Papel que, além de justificar o destaque que continua a merecer da mídia, no que depender dele, encaminha decisivamente as candidaturas de Gilberto Kassab e Geraldo Alckmim para a prefeitura e o governo de São Paulo, respectivamente, e de José Serra para a presidência da República. De revelações e fatos novos, não há muito mais que se possa destacar, mas já é muito em se tratando de um personagem que granjeou merecida fama de mestre da diplomacia.

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Jornalista, Santos, SP