Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Homenagem fora de lugar

Lineu Navarro, a quem devo as tratativas para entrar no acampamento dos sem-terra quando escrevia o romance Os Guerreiros do Campo, reconheceu que soube da homenagem por um dos artigos que este colunista publicou, em que tratava do nome da rua que homenageia o torturador Sérgio Fernando Paranhos Fleury (sobre recente receptividade do romance na Itália, ver aqui).

Ele agora lidera as ações necessárias para fazer a mudança do nome da rua. Muitos são os políticos que gostam de silenciar sobre as boas ações em que eles não tiveram participação alguma. E adoram tirar o corpo fora quando, por atos, palavras ou omissões, incorreram em graves erros de conduta. Lineu Navarro, ao contrário, admitiu que leu o artigo e tratou de tomar as providências que a sinistra homenagem requeria. Nota dez para ele!

‘Filho feio não tem pai’ e ‘ filho bonito tem pais demais’. Este escritor não quer ser o pai da criança, quer apenas reiterar que seus artigos, nos quais denunciava a estranha homenagem, foram publicados também no Primeira Página, no Observatório da Imprensa, no site da EPTV.COM, no Jornal do Brasil, na Gazeta Mercantil. Todos vieram a lume antes que fossem tomadas as iniciativas de mudança do nome da rua. Mauro Ventura repercutiu em O Globo o que saíra no Jornal do Brasil.

Sérgio Fernando Paranhos Fleury, fluminense de Niterói, completaria 76 anos no dia 19 de maio. Morreu afogado em Ilhabela (SP) no dia 1º de maio de 1979, dias antes de completar 46 anos. Delegado do DOPS, comandou a operação que matou Carlos Marighela, em 4 de novembro de 1969, em São Paulo.

Verbas públicas

No filme Batismo de Sangue, baseado no livro homônimo de Frei Betto, esta cena é uma das mais marcantes. Fleury foi vivido no cinema por Cássio Gabus Mendes. E Carlos Marighela por Marku Ribas. O roteiro é de Dani Patarra, filha de Paulo Patarra e Judith Patarra. Por muitos anos, Judith foi editora da coluna de etimologia que o signatário faz na revista Caras. No dia em que Frei Betto casava a filha deste escritor, em São Paulo, Dani Patarra, na mesma igreja, diante do mesmo celebrante, convertia-se ao catolicismo.

Dani Patarra é irmã de Ivo Patarra, autor do livro O Chefe: a história dos 403 dias do escândalo do mensalão, o maior esquema de corrupção de todos os tempos no Brasil, disponível apenas na internet, já que todas as editoras procuradas recusaram publicá-lo. Mas nesses tempos de internet, ninguém esconde nada e o livro pode ser lido aqui.

Acresço estes dados porque frequentemente alguns políticos acham que seus pecados não podem ser nomeados. Como se a ética implicasse silenciar sobre crimes. E quando os elogiamos? Ah, daí estamos apenas cumprindo a obrigação de bem informar! Coisa, aliás, que muitos deles adoram fazer com verbas públicas.

A luta do Bem contra o Mal é travada por anônimos desinteressados se seus nomes vão ou não ficar na História.

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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)