Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Humor e graça pela porta dos fundos

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (19/6) levou ao ar uma entrevista de Alberto Dines com o humorista Fábio Porchat (vídeo aqui), produtor, roteirista e um dos idealizadores do canal de vídeos humorísticos Porta dos Fundos. O bate-papo marcou a sétima edição comemorativa do aniversário de 15 anos do programa na TV Brasil. Em menos de um ano, o Porta dos Fundos, transmitido exclusivamente pela internet, conquistou um milhão de inscritos e foi premiado pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como “Melhor Programa de Humor Para TV” – embora sua plataforma seja a internet. O canal foi criado por Porchat, Antonio Tabet, Gregório Duvivier, Ian SBF e João Vicente de Castro e lança os vídeos na rede duas vezes por semana.

Dines perguntou se o povo brasileiro encara o humor com naturalidade. Para Porchat, o brasileiro nunca gostou de rir de si mesmo, prefere se divertir às custas dos outros. “Quem é corno no Brasil? Ninguém! Ninguém chega e diz ‘outro dia a minha mulher estava pegando um cara’”, comentou o fundador do Porta dos Fundos. Já nos Estados Unidos a situação é inversa. O presidente Barack Obama, por exemplo, frequenta a poltrona do programa humorístico Saturday Nigth Live e é ridicularizado. Recentemente, chegou a usar uma franja parecida com a de sua mulher para fazer graça. De acordo com o humorista, os norte-americanos têm a perspicácia de rir de si mesmos antes dos outros.

Dines indagou se os vídeos na internet ainda são mera cópia da televisão e se o Porta dos Fundos pretende estar na vanguarda para mudar esse panorama. Porchat explicou que o grupo encara a internet como uma plataforma para trabalhar, não como um trampolim para a TV: “O que a gente fez foi o contrário. [Saímos] da TV para ficar na internet. E a gente quer ficar na internet. As pessoas não sabem lidar com a internet ainda no mundo todo. Está aí o Facebook tentando entender como se ganha dinheiro com isso. Se nem o Facebook sabe, como é que a gente vai saber?”.

Jeitinho carioca

Fábio Porchat acredita que o seu grupo está contribuindo para profissionalização da internet. A brincadeira fica só no conteúdo, pois o negócio é levado a sério. Atualmente, a produtora do Porta dos Fundos ocupa três andares de um prédio e cada detalhe é planejado. Trinta profissionais trabalham com carteira assinada, de editores a figurinistas. “Eu vejo isso como o meu futuro. Eu quero estar no Porta dos Fundos daqui dez anos. Se a empresa não começar a nivelar por cima, daqui dez anos eu vou estar por baixo”, avaliou.

O público que assiste aos esquetes não tem ideia de quantos profissionais estão envolvidos naquele trabalho para garantir a qualidade do produto. A maioria das pessoas pensa que dois atores começam a improvisar e logo geram um esquete de humor, e sequer imaginam que há roteiristas que preparam o texto. Porchat lembro de uma greve de roteiristas nos Estados Unidos, ocorrida em 2007, que paralisou toda a produção audiovisual, do cinema aos programas de entrevista em televisão. “Aqui no Brasil, se não tem roteirista alguém diz: ‘Tem um tio meu que escreve, chama ele aí, ele teve uma ideia boa’. Não se dá valor a isso”, lamentou o humorista. Dessa forma, a profissão de roteirista acaba desvalorizada.

Para Porchat, as emissoras de TV ainda tratam a internet como um subproduto, quando na verdade é uma mídia poderosa. O sucesso do Porta dos Fundos é tão surpreendente que chegou a ser tema de uma reportagem na revista Forbes. Porchat contou que a revista considerava que nunca houve um caso como o Porta dos Fundos no mundo, e que o canal do grupo no YouTube é o mais acessado em todo o planeta. “O que a gente sabe fazer é vídeo de humor para a internet”, definiu Porchat. De acordo com ele, a internet popularizou instantaneamente o Porta dos Fundos e agora as pessoas o procuram nas ruas para comentar os vídeos.

Filho de pai paulista e mãe carioca, tendo passado metade da sua vida em cada uma das cidades, Porchat comentou as diferenças entre o humor e o comportamento de quem mora no Rio de Janeiro e em São Paulo. Enquanto paulistas, sobretudo no stand up comedy, contam as piadas rapidamente e já emendam com a próxima, os cariocas contam histórias maiores, contextualizam a situação e falam do cotidiano. Para ele, o espírito do Porta dos Fundos é mais parecido com o estilo carioca. Dines perguntou por que o Rio de Janeiro vive um esvaziamento cultural se o carioca tem uma faceta tão crítica. Porchat acredita que o jeitinho carioca é um traço positivo, mas quando vira desrespeito torna-se um problema.

“O carioca é muito porco, suja muito, é muito folgado. Você vê a diferença ao chegar no aeroporto do Rio de Janeiro e no de São Paulo. É um constrangimento, o táxi no Rio e em São Paulo. Você chega em São Paulo e tem um carro bacana, o cara tem um GPS. Chega ao Rio e o cara está de bermuda, sem o cinto de segurança. E diz: ‘Tá indo para onde? Aí? Ah, eu não levo, não!’. O que é isso? A primeira imagem que você tem da cidade é um cara assim. Isso é representativo”, disse o humorista. Os cariocas precisam entender o que o jeitinho é bom, mas também é importante o motorista do ônibus parar no ponto correto.

Humor multimídia

Porchat acredita que todo assunto é passível de virar piada, só é preciso direcionar para o público certo. O fato de estarem exclusivamente na internet e serem donos do próprio negócio dá ao grupo uma liberdade absoluta para a escolha dos temas. “A gente criou uma emissora e eu sou um dos donos da nossa emissora. Eu posso colocar o que eu quiser. E isso é muito libertador, fazer do jeito que eu quiser. Somos cinco sócios e tudo o que vai ao ar a gente decide junto”, explicou. O produto passa por uma série de avaliações, que começam com reuniões para decidir o texto e só terminam com a aprovação do quadro gravado. Só os integrantes do grupo decidem o que será postado, não há interferência externa.

Dines perguntou a Fábio Porchat se parte do sucesso do Porta dos Fundos se deve à omissão da imprensa, que deixou de ser crítica. O humorista acredita que os jornais impressos ainda mantêm um viés mais ácido, mas a televisão está apática: “Na TV aberta está rolando um bundamolismo, digamos assim. É muito medo, tem um compromisso com audiência, anunciantes, índices. E não tem um compromisso com o artístico – e eu acho que esta está sendo a nossa diferença”, sublinhou. Para ele, a fixação com os resultados do Ibope acaba por limitar os artistas: “Na TV, as pessoas não sabem mais se um programa é bom ou ruim, ela te dizem: ‘É… foi bem de audiência’. Isso é um problema, um medo, porque o programa pode ser maravilhoso e não ir bem de audiência”.

Dines comentou que o mesmo Porchat, que é um grande sucesso na internet, acaba passando como “apenas mais um” na TV Globo. Para o humorista, é importante ter em mente o formato da mídia: “As pessoas falam: ‘Vocês são muito populares no Porta dos Fundos, na internet. Tem que ir para a TV!’ Eu acho que o popular na TV aberta é diferente do popular na internet. Mas acho que a Globo tem que saber aproveitar isso. Eu estou fazendo “A Grande Família” agora e estou muito feliz porque estou com um elenco maravilhoso. Mas eu tenho vontade de fazer um outro tipo de programa – e por que não um tipo de programa em que possa falar isso? Lá eu não tenho essa possibilidade”.

Multimídia, Porchat está na internet, na TV aberta e fechada, no jornal impresso, no cinema e no teatro. E ainda tem planos de criar um produto para o rádio. “Eu preciso de tudo, se fizer só uma coisa eu definho”, comentou. Em todas as plataformas, o que mais agrada a ele é poder escrever os próprios textos: “Essa nova geração do humor é muito autoral, quer falar as coisas, não quer se aprisionar”.

Bobo da corte

Alberto Dines perguntou a Fábio Porchat se ele não teme problemas com a Justiça: “O Brasil é um país onde se processa muito. Nos Estados Unidos já foi assim, se processava por qualquer coisa; hoje em dia é menos. Hoje, o Brasil é assim. Se eu falar ‘eu acho o fulano feio’, me processam. Eu acho o fulano feio, não posso falar? Tudo vira uma loucura”. O humorista lembrou que em 2010 houve um projeto que proibia piadas com candidatos às eleições daquele ano. “Era um absurdo isso porque eles só queriam proibir a piada por três meses. Depois que ele fosse eleito, tivesse mamando na teta, podia fazer a piada”, criticou. Na época, Porchat organizou uma passeata no Rio de Janeiro para protestar contra o projeto.

Um dos esquetes de maior sucesso do Porta dos Fundos, intitulada “Estaremos fazendo o seu cancelamento”, satirizava o atendimento do telemarketing da companhia telefônica Tim. Porchat se pintou todo de azul e trava um diálogo kafkiano com uma atendente chamada Judith, para cancelar uma linha telefônica. O quadro foi inspirado em uma situação real vivida pelo humorista. “Eu comecei a me sentir coagido e pensei que precisava começar a reagir de alguma forma. O bundamolismo não pode estar em mim também, não. Que arma que eu tenho? O humor. E o humor mostrou que tem uma força muito grande”, contou Porchat.

O roteirista acredita que o potencial transformador do humor está na junção da diversão com a crítica. “O bobo da corte é o cara que faz piada para todo o mundo rir e, inclusive, o rei rir. E ele está rindo da cara do rei. Eu acho que essa é a nossa função. Ser o bobo da corte. Fazer todo o mundo rir, rir de si e rir da situação em volta”, afirmou Porchat.

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Lilia Diniz é jornalista