Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Manchetes ao largo da verdade

Deu Grenal no Brasil, na América do Sul e no mundo. Os dois maiores times do Rio Grande do Sul, o Internacional e o Grêmio, deveriam estar em todas as principais notícias esportivas, ao lado do São Paulo, hexacampeão brasileiro, mas a principal manchete de segunda-feira (8/12) em O Globo, um jornal que se pretende nacional, foi ‘Tragédia em São Januário: Vasco é rebaixado’.


Logo abaixo, depois da foto de um torcedor cujo rosto não se vê, pois ele está de boné, sentado, cabisbaixo, de braços cruzados, desolado, lê-se: ‘O retrato do Vasco na Segundona: a solidão e a tristeza do torcedor, em São Januário, após a derrota para a Vitória e o rebaixamento’.


E mais adiante: O Vasco viveu ontem o pior dia dos seus 110 anos de história. A equipe foi derrotada pelo Vitória por 2 a 0 e vai disputar a Segunda Divisão em 2009, seguindo os exemplos de Fluminense, em 1998, e Botafogo, em 2002′. Deixemos de lado o uso do artigo definido singular nessas composições. Por que ‘o Vasco’ e ‘pelo Vitória’ em oposição a ‘de Fluminense’ e ‘Botafogo’? Seus redatores devem procurar o pronto-socorro imediato do professor Sérgio Nogueira Duarte da Silva, consultor de Língua Portuguesa de todo o Sistema Globo. Ele foi um dos melhores pupilos de Guilhermino César, mineiro de Cataguases, que se transferiu para o Rio Grande do Sul e, na UFRGS, foi professor de alunos que depois se tornariam escritores, ensaístas, professores, como Cláudio Moreno, Flávio Loureiro Chaves, Sergius Gonzaga e o autor deste artigo. Quatro dos cinco citados são gaúchos, dos quais três e o catarinense são torcedores do Internacional.


Vice-campeão contra a mídia


Seu livro de referência é O Português do Dia-a-dia (Editora Rocco). Leitores de bom gosto lembrarão estes parágrafos de um texto de Jorge Luís Borges, que escreveu: ‘Para que seu horror seja perfeito, César, acossado ao pé de uma estátua pelos impacientes punhais de seus amigos, descobre entre os rostos e os aços o de Marco Júnio Bruto, seu protegido, talvez seu filho, e já não se defende, exclamando: `Até tu, meu filho!´ Shakespeare e Quevedo recolhem o patético grito.’


E acrescentou: ‘Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz com mansa reprovação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): `Pero, Che!´ Matam-no e ele não sabe que morre para que se repita uma cena.’


Não é a primeira vez e não foi a última que um grande jornal tropeçou – e justamente na manchete. Em 1990, o Bragantino, time de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, tornou-se campeão brasileiro, comandado por Wanderley Luxemburgo, ex-zagueiro do Internacional e do Flamengo e revelação de técnico. Boa parte da imprensa paulista cometeu erros semelhantes a esse de O Globo. Em 1991, treinado por Carlos Alberto Parreira, o mesmo Bragantino tornou-se vice-campeão brasileiro, mas foi disputar a final, não apenas contra o adversário, mas contra a mídia nacional.


Bairrismo e omissão


Está mais do que na hora, não apenas de a mídia respeitar os torcedores, que todos eles fazem por merecer os respeitos, mas atender a seus leitores, enganados há muitos anos com falsas expectativas. Na final do Mundial de 2006, a mídia brasileira tratou o Internacional como simples coadjuvante da glória, de antemão conferida ao Barcelona, derrotado por 1 a 0, gol marcado por um cearense.


O Rio Grande do Sul, estado que deve tanto aos imigrantes de várias etnias e a tantos migrantes de vários estados, poderia ser menos bairrista. Afinal, o único jogador gaúcho que começou jogando a final mundial foi Ronaldinho, ex-gremista, que atuava pelo Barcelona. Outras glórias do clube são migrantes. Paulo Roberto Falcão é catarinense e Alexandre Pato é paranaense. E o time tem torcedores em todo o Brasil e em muitos países. Talvez haja uma insólita parceria entre o bairrismo gaúcho e a omissão da mídia nacional.


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PS. – Setores da mídia estão crucificando o presidente Lula por ter dito ‘meu, sifu’, comentando a crise econômica. Critiquem o presidente por outros motivos. Apesar de os dicionários não registrarem, sifu é expressão popular abreviada que utiliza forma verbal vinda do latim. O verbo foedere, ligar, cavar, está em toda a Bíblia, escrito por ninguém menos que São Jerônimo. Tornou-se palavrão recentemente, em termos históricos. ‘Et statuam pactum meum inter me et te et inter semen tuum post te in generationibus suis foedere sempiterno, ut sim Deus tuus et seminis tui post te‘. (Estabelecerei um pacto meu entre mim e ti e entre tua descendência nas gerações para uma aliança eterna para que eu seja o teu Deus e o da tua posteridade.)


Jeová falava como os sacerdotes, para que suas palavras fossem lidas e ouvidas. Lula fala como o povo. Queriam que ele falasse como? Como o presidente do Banco Central e o ministro da Fazenda? Daí, poucos o entenderiam. Acho que com esse ‘meu, sifu’, Lula aumentou o índice de 70% de popularidade.

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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de Cultura e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da ed. Novo Século); www.deonisio.com.br