Saturday, 05 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Nanodicionário de termos e expressões indevidos, v. 10

São usados equivocadamente na mídia brasileira:

>> “Acelerar” (por “acelerar-se”). Mais um caso de supressão indevida do pronome. Manchete do O Estado de S.Paulo de 11/1/2013: “Inflação acelera e Planalto se rende a juros maiores em 2014.” O redator quis dizer “se acelera” (cabia na medida de três linhas de 21 toques). (Quis dizer também que o jornal fustiga o governo – “e Planalto se rende” –, mas essa é outra história; um tanto patética.) Se “inflação” fosse um piloto de corrida, poderia “acelerar”. Quando o verbo não adquire forma pronominal, ele é transitivo direto ou intransitivo. “Inflação acelera reforma da economia”, exemplo de uso como transitivo direto. “Gosta de acelerar na curva”, intransitivo. Escrever como está na primeira página do Estadão equivale a algo assim: “O ônibus desviou do pedestre e bateu num poste”, ou “O presidente reuniu com os ministros”. Não são ocorrências infrequentes, lamentavelmente, mas é raro é encontrar algo assim numa manchete de jornal.

>> “Campus” (por “câmpus” ou campus, em itálico). Reina nos últimos anos, especialmente após o advento da internet, uma crescente desordem na grafia de palavras estrangeiras. Contribuem para isso os dicionários que não escrevem em itálico as entradas de verbetes de palavras estrangeiras, como o Aulete (o Houaiss usa itálico nesses casos). Esse desmazelo é antidemocrático. As pessoas que têm um repertório vocabular mais vasto não se apertam (às vezes, sim, e dão vexame; pode-se dizer que todo indivíduo que passou pelo planeta e falou cometeu erros de pronúncia, embora isso não seja consolo). As outras pessoas, quando se deparam com uma palavra escrita que nunca ouviram, precisam usar as normas disponíveis para saber pronunciá-la (desde que tais normas sejam devidamente ensinadas, o que, como se sabe, é difícil). Quando se escreve “campus” em redondo, sem indicar que é palavra de outra língua (latim), poder-se-ia em tese induzir o leitor a ler “campús”. Acontece que, não custa repetir, todas as palavras terminadas em “i” e “u” (seguidas ou não de “s”) são oxítonas a menos que haja acento gráfico indicando outra coisa: “caqui”/ “cáqui”; “anus” (aves)/ “húmus”. (Existem exceções: palavras oxítonas terminadas em “i” e “u” são acentuadas quando precedidas de vogal que não forma ditongo com o “i” ou o “u”, como em “baú” ou “Piauí”). O jornal O Estado de S.Paulo usa, corretamente, “câmpus” (singular e plural, evidentemente; não vá algum estafermo imaginar que se possa escrever “câmpuses”, como se escreve “obuses”; em latim, como sabe todo leitor do Observatório, o plural é campi; a aportuguesada câmpus é palavra de dois números – como ônus, bônus etc.).

Mas o Estadão não merece nenhum prêmio por isso. Como os demais jornais e revistas, não segue nenhum padrão discernível na grafia de palavras estrangeiras. Por exemplo, também usa “glamour” como se fosse palavra vernácula (“Passarela do SPFW fala de natureza, glamour e política”, 2/11/2013). Ora, ou bem se usa glamour assinalando que se trata de palavra estrangeira (da língua inglesa, pelo escocês, a partir de grammar, inglês), ou bem se escolhe uma das duas formas que se fixaram por aqui passando pela pronúncia francesa da palavra inglesa (como o “Oswáld” de Oswald de Andrade): glamor ou glamur (Aulete online). (Notar que a pronúncia da palavra como paroxítona, em português, requereria a colocação de um acento circunflexo em “gla”: “glâmor”, “glâmur”, o que a tornaria ininteligível aos olhos e ouvidos do falante atual da língua portuguesa.) Domingos Paschoal Cegalla (Dicionário de dificuldades da língua portuguesa, 3a ed., Rio de Janeiro, Lexikon, 2009) prefere que nem se use glamour: “Anglicismo dispensável. Prefira-se: fascínio, fascinação, atração, encanto, sedução, etc.” A hesitação na hora de usar itálico em palavra estrangeira é uma decorrência da existência de palavras que entraram no português sem aportuguesamento, do jeito que vieram: “show” é talvez o exemplo mais notório (o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, não dá “show”, mas dá “showmício” [sic]; vai entender…).

 

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