Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

O Fenômeno número dois

É muito difícil entender a razão pela qual a mídia constrói alguns mitos. A análise é sociológica, psicológica, patológica e a lógica não é tão clara assim.

O ex-deputado cassado José Dirceu (PT) é um desses exemplos. Pode ser considerado o fenômeno dois, já que o número um está com Ronaldo, que se diz ser ainda jogador.

Sem exercer função direta na política partidária desde dezembro de 2005, quando foi cassado na Câmara, pelos seus pares, acusado de participar do esquema do mensalão, ou melhor, de ser o mentor desse ‘projeto de corrupção passiva’, Dirceu não perdeu o trono nem o poder de mando.

Pelo menos é o que mostra todos os dias a imprensa.

Os holofotes da mídia jogam os canhões para cima dessa figura emblemática que, mesmo depois de abalar a República com uma série de escândalos, em efeito dominó, atrelados à Casa Civil e ao próprio presidente Lula, ainda assim é a personalidade mais ouvida como fonte e por isso a mídia o torna notícia todos os dias.

Entender esse fenômeno requer estudar a mídia no seu cotidiano, no dia-a-dia da construção da informação, percebendo a influência que os meios de comunicação têm sobre a sociedade e dentro dela. De fato, precisamos estudar a mídia para compreender o processo de mediação, como e onde surgem os significados e suas conseqüências.

A pergunta que não quer calar

Quando somos ‘obrigados’, quase por osmose, a ler notícias e opiniões de uma personagem específica que constitui elemento negativo atrelado ao poder político, precisamos fazer uma reflexão.

Por que a mídia dá voz a esse tipo de personagem? O que faz a mídia entender como importante a opinião e avaliação dessa fonte a respeito de um desdobramento eleitoral, por exemplo?

Tudo isso, considerando que esta figura teve uma participação incisiva para a construção de uma imagem negativa do Estado brasileiro e de instituições consolidadas em nível nacional e internacional. O Brasil está arranhado lá fora na sua atuação política, moral e ética quando se trata de parlamentares corruptos. E o ex-deputado José Dirceu (entre tantos/muitos outros) contribui para este resultado.

Assim, como entender o que há por traz de uma cobertura instantânea como essa que justifique tal atitude? A quem interessa que José Dirceu continue uma personagem viva da nossa história política como baluarte da liberdade, da prática social democrática, na luta por uma sociedade menos desigual e mais humanitária?

A quem interessa? Parece que esta pergunta não quer calar.

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Socióloga e jornalista, professora da Universidade do Estado da Bahia e da Faculdade São Francisco de Juazeiro (BA)