Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O papel e o que ele aceita

Renato Pompeu, texto impecável, língua ferina, dizia que, para colocar a credibilidade da imprensa no devido lugar, bastava testemunhar um acontecimento e depois ler o que os jornais publicavam sobre ele.

O Renato, como de hábito, tinha razão. Mas havia um consolo: a gente errava nas notícias sobre os outros. Agora, estamos errando nas notícias sobre nós mesmos.

Outro dia, um cavalheiro mandou um monte de e-mails informando que o tradicional Diário do Grande ABC tinha sido vendido. Na verdade, a informação se baseava num só indício: um novo diretor de Redação assumiria o cargo (o que era verdade), e, sendo um jornalista admirado por um empresário, logo o empresário tinha comprado o jornal. Simples, não?

Um website dirigido a jornalistas e um jornal diário publicaram a tal informação. Ninguém telefonou para o suposto vendedor, ninguém telefonou para o suposto comprador, ninguém consultou o jornalista que assumiria o cargo para saber quem o convidara. E, naturalmente, a venda do jornal não existiu.

A venda do jornal não existiu; mas o prejuízo à empresa existiu, sim. Fornecedores, clientes e bancos reduzem seu ritmo de atividade enquanto analisam a nova situação – a falsa nova situação. Quem cobre o prejuízo?



Pérolas falsas

Está circulando na internet uma série de frases imbecis atribuídas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (tipo ‘eu deveria ter estudado Latim para me comunicar melhor com os povos da América Latina’, ou ‘a maior parte dos produtos que importamos vem do exterior’). São frases que já foram atribuídas, alternadamente, a Al Gore e a George W. Bush, na época da eleição americana; e, depois que Bush se elegeu, foram atribuídas apenas a ele. Agora a vítima é Lula – e a vítima é mal escolhida: há frases em que é perfeitamente claro que o autor é americano.

Divulgar essas notas via internet, por mais engraçadas que possam parecer, é péssimo: contribui para reduzir a credibilidade do mais poderoso veículo de democratização da informação até hoje criado. É péssimo e desnecessário: não é necessário que ninguém mobilize seus neurônios para inventar bobagens que serão atribuídas a Lula.



Pérola verdadeira

Já esta frase que se segue é verdadeira e foi publicada – passou pelo editor e tudo: ‘Embora a fabricação tenha custado 8 mil euros (9.900 dólares) a figura está muito bem feita (…)’.

É o mal de quem escreve sem pensar. Este tipo de frase é mais comum na linguagem falada, onde o tempo de elaboração é menor. Muitos e muitos anos atrás, um locutor esportivo já disse algo parecido: ‘Joaquinzinho, embora esteja com a camisa 11, vai bater a falta’.

Foi o mesmo locutor que, fazendo propaganda de um refrigerante, sentenciou: ‘Até aqui, no estádio da Portuguesa, há Guaraná Antarctica’.



O passado condena

Não, cavalheiros: ao contrário do que foi divulgado pela imprensa, existiu uma promessa formal dos executivos da AmBev de que, aprovada a formação da empresa, ela permaneceria em mãos nacionais por pelo menos dez anos. A promessa não foi feita no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), mas foi explicitada, de maneira pública e formal, num anúncio estrelado pelo então presidente da empresa, Magim Rodrigues. Alguns ainda se lembrarão deste anúncio, que terminava com a frase:

‘AmBev, o sabor brasileiro forte para competir com o mundo’.

Alguns leitores não lembrarão este anúncio. Esta coluna o dará de presente a quem o solicitar, no endereço eletrônico (carlos@brickmann.com.br).

Não é tão pesado: são 154 kB. A propósito, o anúncio que prometia uma AmBev sob controle brasileiro por dez anos foi veiculado em 2000. Não faz nem quatro anos.



Recordar é viver

A propósito, este anúncio traz outra promessa rapidamente esquecida por nossa imprensa: tão logo fosse aprovada a absorção da Antarctica pela Brahma, a AmBev se comprometia a baixar os preços de todos os seus produtos em todas as regiões do país.



Lá e cá

Carlos Honorato, o capo do Jornal de Brasília, manda um bilhete: ‘Veja como um insuspeito repórter americano enfoca um problema social brasileiro. Perceba a ausência daquela enxurrada de ‘otoridades’ dando explicações e argumentando contra a realidade’. A reportagem de Larry Rohter, do New York Times, trata da transferência de 400 famílias da favela Brasília Teimosa, no Recife, ‘mergulhada em atrasos e controvérsia’.

Honorato: já imaginou como será bom o dia em que a imprensa brasileira conseguir recorrer menos a fontes governamentais para preparar suas reportagens?

A propósito, a reportagem de Larry Rohter está no endereço eletrônico ( http://www.nytimes.com/2004/03/19/international/
americas/19BRAZ.html?ex=1080697863&ei=
1&en=3e50559d617bc526
). É complicado mas vale a pena.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação, e-mail (carlos@brickmann.com.br)