Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O poder de uma imagem

Dizem que uma imagem vale mais do que mil palavras. De tanto utilizarmos essa expressão, deixamos de reconhecer o poder do imaginário na sociedade, principalmente no nosso cotidiano. Após o desenvolvimento e a popularização das modernas tecnologias visuais, como a fotografia, o cinema, a televisão e mais recentemente o smartphone com acesso à internet, vivemos numa sociedade onde as imagens proliferam. E é importante observar como a imagem e o imaginar coletivo acabam modelando a realidade social.

Por exemplo, ao analisarmos a maneira como a imagem da mulher é retratada nas revistas sobre beleza e moda, veremos que existe um padrão de beleza que acaba sendo percebido e incorporado pela sociedade. Essa imagem então construída pelos veículos de comunicação acaba se tornando uma referência para a sociedade. “A imagem foi utilizada para atingir onde a palavra falada simplesmente não conseguia alcançar. Assim, facilmente imaginamos o nosso mundo: retratando-o, representando-o, expressando-o” (Samuel Mateus).

Dessa maneira, as imagens imitam o real e ao mesmo tempo recriam-no.

“A humanidade atingiu um estágio onde a imaginação não era apenas a uma reprodução de uma realidade (uma imitação), mas o produto de uma consciência humana. Além disso, as imagens não eram algo imutável, guardadas na memória, mas um ato dinâmico e criativo (KEARNEY, 2009: 156). Assim, lidamos aqui com uma imaginação criativa e produtiva, isto é, com a atividade imaginativa do sujeito” (Samuel Mateus).

“Arrogante é o meu nome”

Assim toda imagem é uma representação de alguma coisa, e esse ato, intencional ou não, abre o espaço simbólico que as imagens possuem. Ou seja, as imagens têm o poder de moldar, ou influenciar, o que a sociedade pensa ou deixa de pensar sobre determinado assunto. Vou contextualizar a história, para que com mil palavras, a força da imagem que pretendo mostrar seja ainda mais forte. Assistindo um documentário sobre Muhammad Ali pude compreender a bravura de muitas das suas atitudes.

Muhammad_ali

O lutador foi registrado como Cassius Clay e, em 1965, seguiu os passos de Malcom X e se converteu ao Islamismo, mudando o seu nome para Muhammad Ali. Desde então, ficava furioso quando alguém o chamava de Cassius Clay, pois dizia que esse era seu “nome de escravo”. Ser negro na América já era difícil, agora imagine ser negro e mulçumano.

Muitos diziam que ele era um falastrão. Em uma de suas declarações, o boxeador disse o seguinte “Eu sou a América. Sou a parte que você não admite, mas acostume-se comigo. Negro, confiante, arrogante é o meu nome e não o seu. É a minha religião e não a sua. São as minhas conquistas e não as suas. Acostumem-se comigo.”

capa_ Esquire

A imagem de São Sebastião e fotógrafo Carl Fischer, responsável pela imagem da capa da Esquire

“A paixão de Muhammad Ali”

Com essas declarações, mais do que se vangloriar por ser forte e bonito, como ele mesmo falava, era criar confiança na comunidade negra americana que estava lutando por seus direitos. A ideia do boxeador era a de que ele servisse de inspiração para os negros, que eles valorizassem a sua cultura e os seus valores, exaltando a sua beleza. Todas as vezes que ele se elogiava, os negros passavam a se olhar no espelho com outros olhos. Dessa maneira ele contribuía para uma mudança na forma como os negros se enxergavam.

Em 1967 Ali se recusou a lutar na Guerra do Vietnã. Ao ser convocado, ele declarou: “Por que me pedem para vestir uma farda, viajar 10 mil quilômetros e matar vietcongues se eles não fizeram nada de mal para mim?” Essa atitude custou caro ao lutador: ele foi condenado a cinco anos de prisão, teve o seu passaporte cassado, perdeu sua licença para lutar e seu título mundial. Ficou proibido de subir aos ringues entre os 25 e 28 anos, idade chave para os lutadores de boxe.

E é sobre esse momento que vem a imagem desse texto. Na época, a pessoa que se recusava a ir lutar na Guerra do Vietnã era tachada de fracote, covarde ou nerd. Primeiramente imagine o poder simbólico criado por Muhammad Ali, campeão mundial de boxe e um dos homens mais fortes do planeta, quando ele se recusa a fazer parte desse conflito?

capa_ Esquire_1

Muitos não entenderam o gesto do boxeador, encarando ele como uma pessoa arrogante e antipatriota. Foi então que a revista The Esquire decidiu fazer a capa da revista com Muhammad Ali. O diretor criativo George Lois acreditava que “tudo o que você faz deve ser uma única solução surpreendente. Quanto maior for a ideia, mais chocante e memorável ela será. Isso é realmente simples” [Lois believed that “everything you do has to be a unique surprising solution. The bigger the idea, the more shocking and memorable it will be. It’s really simple.” One of my favorite quotes from him is that: “Creativity can solve almost any problem. The defeat of habit by originality, overcomes everything”] e dizia ainda que “Criatividade pode resolver quase todos os problemas, a derrota do hábito pela originalidade supera tudo.”

Criou-se a ideia para a capa da revista, retratar Muhammad Ali como São Sebastião. Fotografaram então o boxeador todo alvejado por flechas e com o seguinte texto, no canto inferior da capa: “A paixão de Muhammad Ali.” A imagem se tornou tão poderosa que foi impressa como cartazes, sendo utilizada em protestos por todos os Estados Unidos da América.

Os estereótipos presentes na sociedade

Depois dessa imagem muitos compreenderam mais claramente pelo que Muhammad Ali lutava. Deixaram de ver o boxeador como um negro arrogante, mas como um mártir de uma causa muito maior.

Assim como Muhammad Ali, podemos ver a relação de outras pessoas com o poder da imagem. Podemos destacar o ator Peter Dinklage que, numa entrevista para a revista Rolling Stone, reclamava que só conseguia papéis para representar seres místicos ou relacionados ao mundo da fantasia. Dificilmente ele era escalado para interpretar papéis que mencionem sua estatura sem explorá-la.capa_roling_stones

[Além do trabalho no teatro e na TV, Dinklage fez mais de 30 filmes em uma década. Fica feliz em aceitar papéis – como o autor de livros infantis em Um Duende em Nova York – que mencionem sua estatura sem explorá-la, mas parece ter orgulho daqueles como o que representou nas versões norte-americana e britânica de Morte em um Funeral – que não foram escritos para alguém do tamanho dele. Ele queria que outros atores de sua altura reconsiderassem alguns papéis – especialmente aqueles que envolvem ter o nome de Dunga, Atchim ou Soneca. “Só acho que é a responsabilidade de gente do meu tamanho persistir mais no que faz, porque isso só se perpetuará se você aceitar fazer essas coisas. Espelho, Espelho Meu – um amigo fez esse filme e ficava: ‘Por que fiz aquilo?’ Você olha para o teto dos táxis em Nova York e o anúncio tinha sete anões. Sério, Branca de Neve? Não consigo fazer isso. Tenho de interpretar uma pessoa. Não posso fazer o papel de um adjetivo. Ou advérbio? São advérbios ou adjetivos?”] Rolling Stone, edição 93.

Um outro exemplo foi uma entrevista que li de um ator negro americano (infelizmente não achei a entrevista) onde ele afirma que a motivação dele foram os personagens negros que ele via na televisão. O negro sempre estava relacionado ao crime ou a um indivíduo à margem da sociedade. A ideia dele era representar papeis positivos sobre o negro, sendo um empresário de sucesso, um médico, um indivíduo de destaque dentro da sociedade, assim, segundo ele, as pessoas que o assistissem na televisão, principalmente a comunidade negra, poderiam se inspirar com os personagens representados por ele.

Reparem que esses indivíduos estão lutando contra uma imagem consolidada no caso do boxeador, que os americanos deveriam lutar a guerra do Vietnã; com Peter Dinklage e o ator citado acima, que devemos aceitar os estereótipos presentes na sociedade.

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A imagem e o criador

E mais recentemente uma imagem tem causado bastante discussão, que foi a atriz Viviany Beleboni interpretando a crucificação de Cristo na Parada Gay de São Paulo. Além da atriz, outros indivíduos utilizaram o momento da Crucificação de Cristo para transmitir uma mensagem. A revista Placar fez isso com o jogador de futebol Marcelinho Carioca e depois repetiu o gesto com Neymar; a revista Veja crucificou o brasileiro para criticar os impostos cobrados no Brasil e o carnavalesco Joãozinho Trinta tentou fazer isso com um Jesus Cristo crucificado e esfarrapado em 1989 com a Beija-Flor.

Diante desses exemplos recentes do poder da imagem na sociedade contemporânea, fica o seguinte questionamento:

O que está sendo criticado, a imagem ou o seu criador? O problema da imagem são as questões e as críticas que ela levanta ou se trata do que está ali representado?

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Referências

>> Samuel Mateus – O Imaginal Público: Prolegómenos a uma abordagem comunicacional do imaginário. http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/view/528

>> http://sports.espn.go.com/espn/page2/story?page=boyd/080508

>> http://www.brasilpost.com.br/2015/01/17/story_n_6492240.html

>> http://www.terra.com.br/istoegente/76/divearte/livro_muhammad_ali.htm

>> Entrevista Peter Dinklage – http://rollingstone.uol.com.br/edicao/edicao-93/peter-dinklage-mestre-do-jogo#imagem0

>> Folha de S.Paulohttp://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1639631-atriz-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-recebe-ameacas.shtml

CartaCapitalhttp://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-crucificacao-da-artista-transexual-9268.html

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Felipe Tessarolo é publicitário e professor universitário