Saturday, 14 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

O sem-sentido do trágico na TV

A cena jornalística de 2010 se estampa com fragmentos de horror a cada segundo. Tudo se transforma numa grande avalanche ou amontoados de ferros e tijolos como se o esteta do mundo enlouquecido quisesse destruir sua obra. Quando se acredita que o pior já passou, um fato novo avisa que o pior está sempre por vir. Na literatura teatral busca-se o socorro para entendimento da dimensão do trágico ou tragédia para compreensão da realidade contemporânea. O termo ‘tragédia’ determina que ocorra um evento, mesmo exterior à esfera humana, dotado de uma certa intensidade negativa. Os terremotos são sempre tragédias. A morte também. No trágico, tudo perde o sentido. A realidade vivida e exposta no noticiário escancara uma realidade que não pode ser conceituada.

Portanto, se o homem é um dos pressupostos fundamentais do trágico, outro pressuposto não menos importante é constituído pela ordem ou pelo sentido que forma o horizonte existencial do homem. Evidentemente, a natureza da ordem varia: pode ser o cosmo, os deuses, a justiça, o bem, outros valores morais, o amor e até mesmo (e sobretudo) o sentido último da realidade.

O sentido último da realidade é que o noticiário tenta reconstruir na cobertura da imprensa e que encontra em Aristóteles pistas de entendimento ‘(…) pois os homens são tais ou quais segundo o seu caráter, mas são felizes ou infelizes segundo suas ações e suas experiências’. Ali todos estão dilacerados, principalmente repórteres do mundo inteiro que não entendem qual a medida do homem no cenário onde o mundo não tem sentido. E é preciso mostrar, até onde é permitido, a tragédia em seu estado puro.

A realidade substancial e objetiva

Cidadãos vagando pelas ruas de Porto Príncipe estão em busca do sentido último dessa realidade onde não existem heróis e a vida se esfarela em mais um escombro que cai e o odor macabro da putrefação daquele corpo que ainda ontem cantava, amava, sorria e acreditava que tudo fazia sentido. Ali a mídia não revela heróis, os soldados são guerreiros, pois a dimensão da tragédia exige do herói um desconhecimento da realidade e um jogo de sombras que não são revelados ao final, como no teatro.

Os reveladores do horror, repórteres do mundo inteiro, exercendo a sua atividade profissional, são torturados em sensibilidades e subjetividades que pulsam na tela da TV e parecem dizer ao mundo: tudo é tão terrível que agradeçam a cada minuto a Deus por suas famílias, amigos, amores, destino e com aquilo que Hegel chama de realidade substancial e objetiva.

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Mestre em Comunicação e Tecnologia, Juiz de Fora, MG