Thursday, 09 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Pará, terra sem lei

Dedicada ao show-bizz, a revista Rolling Stone se tornou também um dos melhores ancoradouros para boas reportagens, daquelas que não economizam papel para aprofundar a abordagem de temas da atualidade. A revista dedicou quatro páginas da sua última edição (44) ao Pará, ‘Terra sem lei’, conforme o título da reportagem, que contraria de cara o mote da propaganda oficial do governo do Estado (‘Pará: Terra de Direitos’).

O texto de abertura da reportagem, escrita por Carlos Juliano Barros, é a síntese do conteúdo: ‘Impunidade em homicídios cometidos no campo, devastação da floresta amazônica, trabalho escravo. Grilagem. No Pará, a forte impressão de que a lei só funciona para os poderosos se deve em grande parte a quem deveria zelar por ela: o poder judiciário’.

Mais de uma página da matéria aborda o meu caso, como exemplo de abuso da justiça, reconstituindo o episódio da minha agressão, mais de cinco anos atrás. Como não poderia deixar de ser, além de ouvir o agredido, o repórter entrevistou o agressor. Ronaldo Maiorana admite que errou, diz que assumiu o erro perante a justiça e quitou o débito na forma de cestas básicas doadas a entidades de caridade. Mas não deixa de justificar seu erro ‘As minhas ações são porque ele falou mal do meu pai e falou mal da minha mãe’.

Ronaldo Maiorana disse ao jornalista que eu tenho ‘que encarar com naturalidade o fato de ser chamado à Justiça, como acontece a qualquer responsável por publicação jornalística’. Já quanto ao fato de, mesmo como autor das ações judiciais, não comparecer às audiências, tentou fazer blague: ‘é melhor para ele, se ele diz que não estou indo. Isso já faz tanto tempo. Para mim, é uma página virada, vou tocar minha vida. Se o juiz julgar contra mim, eu acato. Se julgar a favor, também’.

Sem explicações

Vou tentar colocar a questão definitivamente em pratos limpos para que a passagem do tempo não permita que as mentiras de transformem em verdade.

Em nenhum dos meus textos sobre o tema disse que Romulo Maiorana era contrabandista. Escrevi que ele era tido por contrabandista. Juntei aos autos matérias da imprensa que o qualificavam dessa maneira. Era assim também que aparecia nos assentamentos do SNI, o Serviço Nacional de Informações do regime militar, o mesmo regime que lhe concedeu um canal de televisão, o 7, em Belém, em 1973, no governo do general Ernesto Geisel. Mas para isso ele teve que constituir uma empresa com ‘laranjas’, todos eles seus funcionários, compromissados a devolver-lhe a firma quando ele pudesse oficializar a concessão em seu nome.

Os documentos comprobatórios de tudo isso também constam dos autos judiciais – e não foram contestados. Incluindo depoimentos de dois dos sócios na firma de fachada, que serviu de biombo para o surgimento da TV Liberal. As minhas matérias não pretendiam reconstituir o passado de Romulo vinculado ao contrabando. A citação foi apenas lateral no que era o interesse: explicar por que ele não colocou a TV Liberal em seu próprio nome, quando ganhou a concessão, um fato estranho, só inteligível pela circunstância referida.

No dia 21 de novembro de 2005, Ronaldo Maiorana disse à revista eletrônica Comunique-se que se sentiu ofendido ‘porque o Lúcio já chamou minha mãe de p… e meu pai de contrabandista. Não posso ler isso e ficar calado’.

Uma semana depois dessa declaração interpelei judicialmente Ronaldo para que ele fosse intimado a responder a quatro questões:

‘1 – Se deu a entrevista reproduzida pelo site Comunique-se no último dia 21 de novembro.

2 – Se as declarações inseridas no mesmo site correspondem ao que o requerido [Ronaldo] declarou.

3 – Se, especialmente, foi dita pelo requerente a seguinte frase: `O Lúcio já chamou minha mãe de p… e meu pai de contrabandista. Não posso ler isso e ficar calado´.

4 – Em qual página e em qual edição do Jornal Pessoal consta a afirmativa citada pelo requerido’.

Era a oportunidade para Ronaldo me desmascarar e iniciar um procedimento contra mim, provando tudo que disse, Como sempre aconteceu em relação aos Maiorana, ele não foi encontrado. Em 24 de janeiro de 2006 o oficial de justiça (assinatura ilegível) explicou que deixou de notificar o diretor do grupo Liberal ‘por ter sido informado, na portaria [do jornal, que serve de bunker aos patrões quando procurados pela justiça], que o mesmo encontra-se viajando para o Rio de Janeiro’ (desculpa reincidente em tais situações).

Três meses depois, outro oficial de justiça, Carlos Augusto Barbosa, certificou que a advogada de Ronaldo, Patrícia Santos, foi notificada ‘por todo o conteúdo do presente mandado, a qual ficou de tudo ciente’. No entanto, conforme certidão de 26 de maio da diretora de secretaria da 7ª vara penal, por onde tramitou a interpelação, Ronaldo ‘não apresentou explicações’. O processo foi arquivado.

Sem razão

Ronaldo Maiorana devia ter pejo e nunca mais voltar ao assunto. Não só por não ter provado coisa alguma do que insensatamente disse como para poupar de constrangimentos sua mãe, a quem tanto respeito e procuro preservar nessa litigância desarvorada dos Maiorana da segunda geração. Ele também não pode dizer que se desligou dos processos, todos criados por ele e seu irmão, Romulo Maiorana Júnior, virando a página e passando a tocar sua vida.

Os dois irmãos podem se dar a este luxo. Têm advogados para agir por eles e poder para exercê-lo por controle remoto, movendo personagens e procedimentos a distância. Eu, réu em todas essas ações, tenho que me defender como me permitem meus parcos recursos e acompanhar pessoalmente sua tramitação, que vive a me causar surpresas desagradáveis e desconfortos. Os impulsos que eles dão prosperam mesmo quando o que os move é a prepotência e a arrogância, que se transformam em desprezo pela justiça quando qualificam de calúnia, a exigir reparação cível, eu ter dito que fui espancado por Ronaldo, quando fui ‘apenas’ agredido. Ou se valem da suposta defesa da memória do pai como ardil advocatício para propor novas ações contra mim.

Se Ronaldo Maiorana quer virar a página e cuidar da sua vida, tem um caminho: desistir dessas ações abusivas, assim reveladas pelo conteúdo probatório dos autos e por sua atitude de desrespeito à justiça, faltando às audiências que sua condição de autor lhes impunha, se a causa fosse séria e de direito. Como é que conseguem ganhar mesmo destituídos de razão? Ora, recorrendo a um poder que torna o Pará ‘terra sem lei’, conforme diz muito bem o título da reportagem de Rolling Stone.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)