Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Uma crítica demolidora à política externa

O Estado de S. Paulo de domingo (7/3) traz um artigo assinado pelo escritor peruano Mário Vargas Llosa que chama a atenção. Durante a visita do presidente brasileiro a Cuba também acontecia o enterro do sapateiro Orlando Zapata Tamayo depois de uma greve de fome de 81 dias. Permitir a morte do dissidente por inanição, para Vargas Llosa, combina com a prática do regime castrista, mas o fato de o representante de um país democrático, como o Brasil, não se manifestar contra tais práticas é o que tanto indignou o escritor peruano. Vejamos:

‘O presidente Lula sabia perfeitamente o que estava fazendo. Antes de viajar para Cuba, 50 dissidentes lhe haviam pedido uma audiência durante sua estadia em Havana para que intercedesse perante as autoridades da ilha pela libertação dos presos políticos martirizados, como Zapata, nos calabouços cubanos. Ele se negou a ambas as coisas. Não os recebeu nem defendeu sua causa em suas duas visitas anteriores à ilha, cujo regime liberticida sempre elogiou sem o menor eufemismo.’ Para Vargas Llosa, o texto acima define a prática ambígua do presidente Lula ao longo de seus dois mandatos.

Melhor explicando, num plano interno a postura do presidente é de respeitar as liberdades democráticas, dar seguimento a uma política econômica responsável, livre das proposições esquerdizantes da sua época de sindicalista. Já num plano externo ‘(…) Lula se despe de suas vestimentas democráticas e abraça o comandante Chávez, Evo Morales, o comandante Ortega, ou seja, a escória da América Latina, e não tem o menor escrúpulo em abrir as portas diplomáticas e econômicas do Brasil aos sátrapas teocráticos integristas do Irã.’ E questiona: ‘O que significa esta duplicidade? Que Lula nunca mudou de verdade? Que é um simples mascarado, capaz de todas as piruetas ideológicas, um político medíocre sem espinha dorsal cívica e moral?’

Um expoente do pensamento liberal

A resposta do escritor peruano, para as questões acima, segue na linha de que Lula se importa muito mais com os interesses geopolíticos, ‘(…) o Porto de Mariel, que o Brasil está financiando com US$ 300 milhões, ou a próxima construção pela Petrobrás de uma fábrica de lubrificantes em Havana (…)’ que com as atrocidades que acontecem em regimes como o atual cubano. Assim, caracteriza Lula como ‘(…) um típico mandatário `democrático´ latino-americano (…)’. Vargas Llosa prossegue, escrevendo que o rosto do presidente brasileiro, feliz nas fotos com os irmãos Castro, poderia ser substituído por qualquer outro dos presidentes latino-americanos, com exceção do presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, único a protestar por um melhor tratamento dos presos políticos cubanos.

Assim, temos uma imagem do presidente Lula construída por um expoente da literatura latino-americana: um governante que se abraça com algozes e tiranos, que se recusa a ouvir apelos e intervir por presos políticos de outro país e que tem uma personalidade política dúbia e sem moral. Tal imagem importa para nós, brasileiros? Quanto?

A imagem política de um governo, podemos dizer em grande medida, é construída por suas projeções na mídia. O comportamento e as declarações do presidente Lula não desagradaram apenas a Vargas Llosa; a imprensa nacional também criticou amplamente tal postura, diga-se de passagem, não louvável. Com a imagem do presidente Lula, vem a reboque a do Brasil: ‘um pais de tradição democrática’ e, ainda pela pena do escritor peruano, presidido por um ‘típico mandatário `democrático´ latino-americano’.

Atribuir esta representação do presidente Lula, construída por Vargas Llosa, ao fato de este ser considerado um expoente do pensamento liberal seria contraproducente. O escritor José Saramago, socialista convicto, rompeu com o regime cubano em 2003 por ocasião da execução de três dissidentes. Independente de ‘questões ideológicas’, regimes políticos que promovem execuções sumárias não merecem perdurar e nem serem festejados por chefes de nações democráticas.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR