Sexta-feira, 18 de julho de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1347

Micro discurso e credibilidade no jornalismo

Foto: Tumisu por Pixabay)

O telejornal ao vivo acaba de começar. Mesmo em um mundo repleto de telas, com relógios aqui e ali, o âncora, devidamente engravatado, faz questão de informar o horário. O programa é transmitido unicamente pelo YouTube, onde o player informa ao usuário se a transmissão é ao vivo ou gravada. Mesmo assim, a tarja possui um cantinho específico para o “ao vivo”, e outro para o próprio horário. No momento de exibir um VT, esse “ao vivo” some. Ao terminar a reportagem, mesmo quando o citado não quer se manifestar, a nota pé traz clara esta informação.

Jornalismo é discurso, e todo discurso é poder. Mas de onde vem um poder tão decisivo? Mesmo em tempos em que o extremismo acusa o mensageiro, quando os “messias” são fustigados, a sociedade, ainda que não confesse, confia no jornalismo. Se deu no jornal, é verdade. O discurso jornalístico é tão poderoso que as assessorias de imprensa trabalham até mesmo aos fins de semana para tentar emplacar seus assessorados em um grande veículo. Aparecer no jornal é sinal de legitimidade, de influência. Um advogado entrevistado para falar de Constituição é visto como alguém que entende mesmo do tema. Um criminalista consolida sua formação servindo de fonte para uma matéria jornalística.

Como discurso, o jornalismo possui um elemento decisivo: a credibilidade. Esta é construída por cada veículo ao longo de sua existência, mas não do zero. É que ao se posicionar como jornalismo, aderindo a todos os seus rituais, o discurso já ganha um fundo de credibilidade, o qual pode ampliar ou perder.

Apuração precisa, checagem rigorosa, correções honestas, uma objetividade quase religiosa, tudo isso faz parte da construção da credibilidade tanto do jornalista quanto do veículo em que trabalha. A massa dura da credibilidade é condição sine qua non para a própria permanência no discurso jornalístico. Sem isso, há uma exclusão decorrente da própria comunidade.

A longo prazo, a credibilidade jornalística se faz pelos pequenos rituais que identificam o jornalismo enquanto discurso. Os micro discursos, assim, são mecanismos essenciais para a própria inclusão do discurso na seara jornalística. Mesmo no afã de “modernizar” a informação, há uma pressão em sentido oposto. Sem os pormenores, o ritual está incompleto, e o discurso está excluído de toda a confraria que podemos chamar de jornalismo.

Bobagem? Vale lembrar que todo processo discursivo é um jogo, e como todo jogo, carece de regras. Aqui, como alguns podem já ter notado, desenvolvo uma análise baseada em Michel Foucault, especialmente no clássico “A ordem do discurso”, aula inaugural no College de France que, por sua importância, acabou se transformando em livro.

Em um mundo repleto de desinformação, onde a imprensa profissional acaba sendo constantemente acusada de manipulação ou mesmo de mentira, os pequenos gestos de boa vontade puxam para dentro o público, fazendo-o entender que, seja como for, ali é um espaço seguro, um espaço de fatos bem apurados, e de uma opinião que se apresenta como tal, quando surge. Se a clareza com o pequeno surge, a intuição é de que haverá clareza naqueles lugares onde o informado precisa confiar no veículo, uma vez que não estava no local da apuração, ou não teve acesso aos mesmos documentos que a reportagem teve.

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Vinicius Macia é jornalista e analista de discursos. Especialista em ciência política, com foco em poder e establishment, e especialista em Jornalismo Investigativo.