Monday, 14 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Filtros, preconceito e o descarte de informação

Branco ou preto, burguesia ou proletariado, massa ou elite, cristão ou ateu, situação ou oposição, hetero ou homo, coxinha ou caviar? Há tantas variáveis, que sempre trazem seu oposto. Caso alguma característica não combine com o receptor, surge certa tendência, nos dias de hoje, de sequer ouvir qualquer informação ou opinião contrária.

Mas, ao descartar uma informação por preconceito da fonte, como mensurar os prejuízos (se houver) na formação da opinião pública, ou mesmo do senso crítico individual?

Mesmo tendo ciência de que outro emissor tenha posições contrárias, descartar a opção de ouvi-lo sugere certa ignorância e arrogância da parte do receptor. Primeiro, porque não há quem possa se colocar como dono da verdade. Segundo, porque o confronto de ideias é que molda e fortalece as que têm mais consistência.

Certo é que cada uma das opiniões é fruto de filtros internos do emissor. Mas não são necessariamente extensão dos mesmos. Dados podem ser bloqueados, alterados ou ganhar incorporações de outros elementos na construção de uma opinião. Em tal processo, o emissor carrega consciente e inconscientemente sua bagagem cultural e modo de pensar.

O diálogo não é necessariamente troca de ideias iguais. Situações assim se dão em discussões extensas, mas rasas. A pluralidade e controvérsias podem ser indigestas, mas enriquecedoras.

“Leiam tudo”

Ouvi de um professor, na primeira semana de aula na faculdade (isso lá em 1999), a seguinte recomendação: “Leiam tudo. Até bula de remédio!”. Mais que uma frase de efeito, tal sugestão foi exaustivamente repetida nos quatro anos seguintes. Assim, a maioria de meus colegas de sala de aula procurava consumir todos e quaisquer tipos de textos, livros e revistas. Qualquer crítica vinha após ciência de cada artigo.

O que se percebe em blogs, tuítes e postagens no Facebook são comentários no sentido de eliminar qualquer chance possível de uma denúncia ou informação, incômoda a alguém ou a um partido político, ser verídica caso o emissor não seja do contento.

O cenário preocupa. Uma pesquisa da Universidade da Georgia, nos EUA, feita em 2013, aponta que, entre formandos em jornalismo, em 2012, sete entre 10 estudantes preferiam ler as notícias em portais digitais ou redes sociais, em vez de na mídia impressa. Somente um terço dos entrevistados havia lido o jornal no dia anterior, em uma queda de 81% desde 1994. A pesquisa foi tema de artigo no Observatório (acesse: http://zip.net/bfqYdB).

Campanhas e manifestações de intolerância a certos veículos de comunicação em redes sociais são um desserviço. Dependendo do receptor, uma matéria da “Veja” ou da “Carta Capital” será ignorada, além da capa. Uma reportagem sobre a Operação Lava Jato, na Globo, suscita às vezes na internet questões sobre quais as intenções da emissora em exibir tal notícia. Mesmo as pessoas estando cientes de que seja de interesse público saber o que representantes eleitos fazem com o dinheiro da população. Quanto ao tratamento na apuração, especula-se sobre algumas emissoras, fechando olhos para outras.

Há ainda o caso SwissLeaks, que levanta suspeita sobre contas na Suíça de pessoas físicas e empresas no banco britânico HSBC. Entre os clientes da agência suíça que mantinham contas entre 2006 e 2007, estariam alguns brasileiros ligados a mídia, tanto empresários quanto jornalistas. A denúncia elevou a temperatura nas redes sociais.

Polarização

Manifestações de descrédito à imprensa nacional e analistas políticos do mundo virtual se viralizam. O impulso em dar uma opinião sobre o caso se baseia muitas vezes em apenas saber nomes de envolvidos. Já o cuidado de apuração, a checagem da informação, ou mesmo a contextualização e observação da relevância perante a coisa pública se tornam secundários.

Em uma era tão plural, tudo parece caminhar para uma polarização. Dependendo da postura adotada nas redes sociais, tudo se resume a 8 ou 80. Para muitos, diversas mídias foram condenadas a não ter credibilidade para reportar, o que levanta uma série de questionamentos. Quem fará tal papel? Quem se candidatar terá que trazer quais tipos de credenciais? Haverá profissional sem opinião própria? Reportar é levar a público um fato ou moldar a informação a gosto do freguês? Entre outras…

Há certa confusão diante da quantidade de informações. Muitos dados nem sempre significam profundidade dos mesmos. A situação não acena para o otimismo – uma situação financeira débil, figurões da política envolvidos em escândalos de corrupção, integrantes do Governo tendo que dar explicações sobre investigações do Ministério Público e Polícia Federal e, agora, a procura por mídias em perfeição, com alguns veículos sendo avaliados em processo similar ao canônico.

Construiu-se certo inconsciente popular de que nem sempre a denúncia é o ponto em questão. Desqualificar o denunciante, ou a manifestação do outro, do diferente, parece ganhar a tônica nesses tempos em rede. Fato é que tanto o emissor quanto o receptor têm sua formação de opinião, a sua visão de mundo, com dados dos mais variados tipos, independentemente de credo, política ou opção sexual.

A sugestão, aqui, não é fingir que nada acontece, ou não apurar uns em detrimento de outros. Antes, como parte do processo de uma reportagem, é necessário ouvir todos e apurar os lados envolvidos. É preciso ler de tudo, de todos os lados. É necessário buscar informação, independentemente do emissor, para depois apurar sua veracidade. Descartar uma denúncia por preconceito de um emissor, sem ao menos checar a informação, revela apenas a “maturidade” deste mais novo veículo de notícias que são as redes sociais.

Para ter uma opinião, como argumentos para defendê-la, é preciso ler “Veja” e também “Carta Capital”. Sobre um mesmo tema, é relevante assistir a uma matéria na “Globo” e depois na “Record”. É de bom senso ouvir a “Jovem Pam” e a “CBN”. A moral da história se encontra nas palavras do personagem bíblico Paulo: “Ouve de tudo e retém apenas o que é bom”.

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Leonardo Rodrigues é jornalista e chargista.