Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

ONU, impotente diante das guerras?

(Foto: GETTY IMAGES)

Quase um mês de guerra envolvendo a organização terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e Israel, qual tem sido a atuação da ONU, no sentido de parar o conflito? E não é só, quase dois anos depois da invasão da Ucrânia por decisão do presidente russo Vladimir Putin, o que tem feito a ONU de efetivo para acabar com essa guerra? Ou é sua própria estrutura que a impede de agir?

No caso de conflitos que envolvam direta ou indiretamente os cinco grandes países, membros do Conselho de Segurança, praticamente quase nada se pode fazer. Basta o uso do veto por um desses países – Estados Unidos, Inglaterra, França, Rússia e China – para bloquear qualquer iniciativa.

A mais importante participação da ONU numa intervenção militar foi em 1950, na época da guerra fria, quando os chamados Capacetes Azuis, sob o comando dos Estados Unidos, intervieram na Guerra da Coréia. Não houve veto porque a China ainda não era a de Mao e a URSS estava ausente no momento da decisão pelo Conselho de Segurança. Outras intervenções foram no Iraque, Kosovo, Afganistão, Líbia e contra os jihadistas do chamado Estado Islâmico, que se formou principalmente no Iraque depois dos EUA terem derrubado o ditador Saddam Hussein. Outras intervenções da ONU, quase uma centena, consistiram em operações de manutenção da paz, como fiscalizar o cessar fogo entre Israel e os países árabes. Ou então ações de cunho humanitário no continente africano. A questionável intervenção militar no Haiti, que durou treze anos, contou com o comando militar brasileiro.

Tentativas de trégua frustradas

Houve quatro tentativas frustradas de cessar fogo por parte do Conselho de Segurança da ONU e uma decisão por uma trégua votada pela Assembleia Geral, mas sem unanimidade e sem força para intervir e impor a suspensão das hostilidades e permitir uma troca de prisioneiros, o atendimento e tratamento dos feridos e o abastecimento da população civil de Gaza com alimentos e água.

Faz uma semana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse ter havido má interpretação de suas palavras no Conselho de Segurança, quanto aos ataques do Hamas no 7 de outubro, e tratou de desfazer a confusão: “Estou chocado com as interpretações erradas de algumas de minhas declarações no Conselho de Segurança, como se eu estivesse justificando os atos de terror do Hamas. Isso é falso. Foi o oposto”.

A explicação veio logo após o pedido de sua demissão por Israel, por Guterrez ter contextualizado o conflito ao afirmar que o ataque do Hamas “não aconteceu do nada”.
O cessar fogo humanitário também não havia encontrado unanimidade dentro da Europa – Portugal, Irlanda e Espanha estavam entre os países favoráveis à decretação de um trégua, porém a Alemanha, a Áustria, a Letônia e a Tchecoslováquia achavam não ser ainda o momento de se conter Israel. Uma voz discordante era a do primeiro-ministro belga, segundo o qual o direito de defesa “não pode ser desculpa para ações indiscriminadas”.

Netanyahu, alvo de críticas dentro e fora de Israel, escreveu e depois apagou no Twitter, agora X, não ter recebido nenhum alerta dos responsáveis pela segurança de Israel sobre as intenções de ataques do Hamas. De acordo com todos os serviços secretos e de segurança interna, dizia Netanyahu, o Hamas estava com medo de agir e procurava um acordo. Depois de ter escrito isso, alguém deve ter lembrado a Netanyahu ter sido ele mesmo quem desorientou e enfraqueceu a vigilância israelense, com sua obsessão de obter plenos poderes e diminuir os poderes da Corte Suprema (equivalente ao nosso STF) para escapar a processos por corrupção.

Enquanto isso, as manifestações contra o intenso bombardeio do norte da Faixa de Gaza vão assumindo feições de antissemitismo e o Hamas agressor vai conseguindo reverter a situação em seu favor, diante da opinião pública, posando agora como vítima, comprometendo a imagem de Israel. Quais as consequências futuras dessa animosidade criada?

Na sequência de protestos contra Israel e em favor dos palestinos podem ocorrer perigosos desvios antissemitas, como a intenção de uma multidão de muçulmanos realizar um pogrom ou massacre dos passageiros judeus, na chegada de um avião procedente de Israel, no aeroporto russo de Makhatchkala, no Daguestão.

Paralelamente, ocorreu no Irã a morte da jovem Armita Geravand por traumatismo craniano cometido pela polícia moral islâmica. Ela é a segunda jovem assassinada pelo crime de não ter colocado o véu na sua cabeça. É sempre bom lembrar que as mulheres têm poucos direitos e que os LGBTs não são tolerados pelos países ou organizações islâmicas como o Hamas.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.