Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Liberdade de imprensa X proteção à imagem

Uma questão que há muito é objeto de acalorado debate, em especial quando estamos perante regimes democráticos tal como vivemos na atualidade, é o eterno embate entre a liberdade de imprensa em contraponto aos direitos humanos e fundamentais, tais como o direito à privacidade e o direito à imagem.

Trata-se de questão ligada ao direito constitucional, uma vez que a nossa constituição apresenta, no seu art. 5º, como direitos fundamentais de um lado o direito à imagem e de outro à liberdade de informação.

Essa celeuma acirrou-se, ainda mais, após a decisão proferida pelo STF, na ADPF n.º 130, no sentido da não recepção pela ordem jurídica constitucional da Lei n.º 5.250/67 (Lei de imprensa). Isso porque, os vetores e limites que devem pautar a atuação da imprensa ficaram sem uma legislação específica para regulamentá-la, de forma minuciosa.

Assim, com essa lacuna legislativa, a solução para esse choque de direitos fundamentais passou para as mãos, em especial, da jurisprudência e da doutrina. Logo, na atualidade, os Tribunais têm uma função de destaque na fixação de balizas acerca desse tema.

Outro fator propulsor do número de conflitos envolvendo esses direitos constitucionalmente reconhecidos é a “difusão descontrolada da informação”, em especial por meio da internet e suas redes sociais.

Na atualidade, a propagação de uma notícia é algo instantâneo, ou seja, em questão de segundos um fato já se torna de domínio público. Essa celeridade na divulgação da notícia, no entanto, contém pontos positivos e negativos.

Um aspecto nocivo vem sendo vivenciado por todos nós, que é a proliferação das chamadas “fake news”, ou seja, notícias falsas. Nesses casos, no afã de dar a notícia em primeiro lugar, isto é, obter “um furo de reportagem”, alguns veículos de comunicação não apuram, minimamente, a veracidade do fato, levando ao público uma notícia em dissonância com a realidade. O problema é de tal monta que alguns veículos já contam hoje com departamentos de checagem para evitar a reprodução de notícias falsas.

Foto: Creative Commons/pixel2013

Mas lidar com este problema da chamada sociedade informacional é um desafio ainda maior. Quando descobre-se que a “fake news” foi produzida propositalmente e muitas vezes profissionalmente para ‘plantar’ e ‘viralizar’ uma mentira, com a intenção de manipular a opinião pública e favorecer defensores de determinado ponto de vista em detrimento de seus opositores, a constituição prevê, que comprovada a má-fé da informação inverídica, pode-se pedir uma tutela jurisdicional para a retirada da mesma da internet ou mídia que a tenha divulgado.

Abusos na difusão de imagens e fatos reais também podem ter efeitos catastróficos à vida e à imagem das pessoas ou empresas envolvidas na notícia. Muitos, inclusive, chamam a imprensa de o “quarto poder do Estado”, tendo em vista sua capacidade de alterar o rumo da História e alavancar ou destruir a imagem de alguém.

O que se apresenta incontestável é a importância da imprensa em uma sociedade democrática, pois somente com o acesso à informação a população terá conhecimento dos fatos relevantes para seu país e para o mundo, além de aprimorar o seu juízo crítico, permitindo-lhe ter opiniões sobre os mais variados assuntos. Um jornalismo sério e investigativo é fundamental para garantir a transparência, em especial do trato da coisa pública.

Por outro lado, deve ficar claro que a liberdade de imprensa é uma realidade no Brasil, mas esta “não pode ser confundida com irresponsabilidade de afirmação”. Essa afirmação pode ser uma “fake news”, com repercussão em grande escala, ou se restringir a um abuso do limite entre o que é público e o que é privado.

Quanto ao direito à tutela da imagem e da honra, ele deve ser visto como uma barreira protetiva à banalização da exposição da intimidade dos indivíduos, tal como ocorre diariamente, quando pessoas “públicas” não conseguem, sequer, caminhar na rua, com suas famílias, sem serem abordadas por fotógrafos. Deve haver um mínimo de proteção à intimidade dessas pessoas!

Qual a solução para esse conflito de interesses: informação X intimidade?

De acordo com a doutrina, o conflito entre direitos fundamentais, deve ser solucionado através da adoção de uma teoria, que é a “teoria da ponderação de interesses”. Trata-se de método a ser adotado pelo intérprete (aplicador do direito) e que irá fazer uma ponderação entre os valores contrapostos. Mas esse julgamento não pode ser feito de forma abstrata, ou seja, sem elementos concretos. É preciso que se esteja diante de um caso concreto, até mesmo para se evitar a censura prévia.

Nesses casos, o intérprete deve, em consideração às peculiaridades daquela situação, ponderar qual direito fundamental deverá prevalecer. Porém, muitas vezes há uma verdadeira concessão recíproca, com o objetivo de encontrar a interpretação razoável.

Com efeito, pode se notar que não há uma solução prévia, de forma abstrata, para o choque desses princípios constitucionais. A doutrina apresenta alguns critérios que podem auxiliar o intérprete nessa ponderação de bens:

1. Análise da veracidade do fato;
2. Licitude na obtenção da informação;
3. Se a pessoa objeto da notícia é uma pessoa pública ou estritamente privada;
4. Local e a natureza do fato;
5. Existência de um interesse público na divulgação do fato;
6. Adotar, preferencialmente, medidas que não acarretem a censura prévia.

A presença desses elementos pode dar ao intérprete alguns critérios objetivos, para verificar se, naquela hipótese, quais dos direitos fundamentais devem se sobrepor. Mas, mesmo assim, é inquestionável que se está diante de tema espinhoso.

Acreditamos que o mais importante nesses casos é, ao máximo, que se evitem soluções com base em posições extremadas, uma vez que a polarização entre o “certo e o errado”, via de regra, vai de encontro com a ideia de ponderação e harmonização de interesses, pois o que ocorrerá, na realidade, é a aniquilação de um princípio em detrimento do outro. Partindo-se dessas premissas, não haverá nunca a possibilidade de composição desses valores.

Portanto, é possível concluir que precisamos sair do dualismo do certo e do errado, para analisar, dentro do caso concreto, com base naqueles critérios propostos, se aquela notícia, apesar de expor a intimidade de alguém, possui interesse público, fazendo com que sua veiculação não seja abusiva. Inexistindo interesse público e sendo conteúdo ofensivo à honra de alguém, a ordem jurídica permite o manejo de instrumentos judiciais para se obter a reparação pelos danos sofridos.

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Bernardo Annes Dias é advogado.