Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As feras que ‘despedaçam pessoas’

O premiê do Reino Unido, Tony Blair, atacou ontem a mídia de seu país, em um discurso que fez para jornalistas da agência Reuters, em Londres. Segundo Blair, que deixará seu cargo em duas semanas, os meios de comunicação britânicos comportam-se como ‘bestas selvagens’, que ‘fazem pessoas e reputações em pedaços’.


Mas Blair não culpou inteiramente os jornalistas por esse comportamento; segundo o premiê, ele é provocado pela competição imposta pelos sites e os canais de notícias 24 horas. ‘O medo de perder algo significa que a mídia hoje, mais do que nunca, caça em bando.’


Para o primeiro-ministro, os jornalistas são cada vez mais ‘conduzidos pelo impacto’. Isso, disse, está fazendo cair o padrão do noticiário e ‘prestando um desserviço ao público’. Em conseqüência, prosseguiu, a ‘autoconfiança do país’ é prejudicada, o que ‘reduz nossa capacidade de tomar decisões’.


Relação complicada


Tony Blair sempre teve uma relação complicada com a imprensa, e ela piorou depois que o Reino Unido apoiou a invasão do Iraque, em 2003. Em seus dez anos no poder, completados em maio passado, o premiê se aproximou do empresário Rupert Murdoch, proprietário da News Corporation, que tem entre suas marcas o tablóide britânico ‘Sun’ e que costuma impor um jornalismo partidarizado aos seus meios.


Blair também formou uma equipe de assessores para a prática do ‘spin’ -a introdução no noticiário de versões favoráveis ao premiê. O mais famoso deles foi seu ex-diretor de Comunicações Alastair Campbell, que renunciou em 2003 depois da controvérsia em que o governo foi acusado de exagerar um dossiê sobre supostas armas de destruição em massa desenvolvidas pelo regime de Saddam Hussein.


No discurso de ontem, Blair não citou o Iraque, mas admitiu ter contribuído para o fato de a cobertura política da imprensa britânica ter, segundo ele, ‘piorado a olhos vistos’ nos últimos dez anos: ‘Nós demos uma atenção incomum (…) ao cortejo e ao assédio à mídia’.


O premiê, no entanto, disse que tal atitude deveu-se à ‘hostilidade’ da imprensa ao seu Partido Trabalhista quando este ainda estava na oposição, até 1997. O premiê criticou ainda o que vê como uma tendência de alguns veículos de não diferenciar notícias de opiniões. Ele apontou o jornal ‘Independent’ como exemplo.


No discurso, Blair sugeriu que o sistema de regulação da imprensa britânica seja alterado, uma vez que nem todos os veículos de comunicação se enquadram mais nas categorias de jornais ou emissoras de TV. Atualmente, no Reino Unido, a TV e o rádio têm seu órgão regulamentador, o Ofcom, e os jornais são regulados pela Comissão de Reclamações da Imprensa. Ambos são independentes do governo.


Reação


Para a oposição, foi a conduta do premiê que provocou a deterioração da relação entre os políticos e a imprensa no Reino Unido. ‘Uma análise mais justa indicaria a própria cultura de ‘dourar a pílula’ do premiê’ como responsável por essa deterioração, disse o parlamentar Don Foster, do Partido Liberal Democrata.


Simon Kelner, editor-chefe do ‘Independent’, disse que o ataque de Blair ao jornal foi um atestado da posição antiguerra que o veículo adotou desde a invasão do Iraque. ‘Ele estava errado, e nós certos’, afirmou Kelner, que considerou a crítica feita por Tony Blair um tipo de ‘medalha de honra’.


Em editorial intitulado ‘Sermão correto, pregador errado’, o jornal de esquerda ‘The Guardian’ disse que Blair estava certo ao apontar ‘algumas das piores características do jornalismo britânico hoje’, mas que ele se esqueceu de citar pontos positivos como a BCC, ‘a melhor organização jornalística do mundo’. O jornal também rejeitou ‘qualquer tentativa de colocar a imprensa sob um regulamento’. [Com agências internacionais, o New York Times e o Independent]


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