Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa, poder e força

“Nos meios jornalísticos é costume apontar a imprensa como um ‘grande poder’ dentro do Estado. É verdade que é imensa a sua importância atual. Dificilmente se pode avaliar todo o seu prestígio. Na realidade, a sua missão é de continuar a educação do povo até uma idade avançada.

“Em conjunto, podem ser divididos os leitores de jornais em três grandes grupos: 1º, o dos que acreditam em tudo que leem; 2º, o daqueles que já não mais acreditam em coisa alguma; 3º, o dos que submetem tudo o que leem à crítica para chegarem a um julgamento seguro.

“O primeiro grupo é muito mais numeroso que os outros. Compõem-se da grande massa do povo e, por isso mesmo, da parte intelectualmente mais fraca da nação. Não pode ser designado por classes, mas pelo grau de inteligência.

“A esse grupo pertencem todos os que não nasceram para ter pensamento independente ou não foram educados para isso e que, em parte por incapacidade e em parte por falta de vontade, acreditam em tudo que lhes é apresentado em letra de fôrma. A essa classe também pertencem os preguiçosos que podem pensar mas, por mera indolência, agradecidos, aceitam tudo o que os outros pensam, na suposição de que esses já chegaram a essas conclusões com muito esforço.

“Para toda essa gente, que representa a grande massa do povo, a influência da imprensa é fantástica. Eles não estão em condições, por falta de cultura ou por não o quererem, de examinar as ideias que se lhes apresentam. Assim, a maneira de encarar os problemas do dia é quase sempre resultado da influência das ideias que lhes vêm de fora.

“A maioria, e não a sabedoria, vale tudo”

“Essa situação pode ser vantajosa quando os esclarecimentos que lhes são dados partem de uma fonte séria e amiga da verdade, mas constitui uma desgraça quando têm sua origem em pulhas e mentirosos.

“O segundo grupo é muito menor quanto ao número. Em parte é composto de elementos que, de começo, pertenciam ao primeiro grupo e que, depois de amargas decepções, passaram para o lado oposto, e não acreditam em mais nada que lhes seja apresentado em forma impressa. Esses têm ódio a todos os jornais, não os leem ou irritam-se contra tudo o que neles se contém, convencidos de que neles só se encontram mentiras e mais mentiras. É difícil manobrar com esses homens, porque para eles a própria verdade é sempre vista com desconfiança.

“O terceiro grupo é de todos o menor. Compõe-se dos espíritos de elite que, por naturais disposições intelectuais e pela educação, aprenderam a pensar com independência, que, sobre todos os assuntos, se esforçam por formar ideias próprias e que submetem todas as suas cuidadosas leituras a um crivo pessoal para daí tirar consequências.

“Esses não lerão nenhum jornal sem que as ideias recebidas passem por um exame. A situação do editor não é nada fácil.

“Para os que pertencem a esse terceiro grupo, o erro que um jornal possa perpetrar oferece pouco perigo e é de muita significação.

“No decurso de sua vida, eles se acostumaram a ver, com fundadas razões, em cada jornalista, um patife que, só por exceção, fala a verdade. Infelizmente, o valor desses tipos brilhantes jaz apenas na sua inteligência e não no número, o que constitui uma infelicidade em uma época em que a maioria, e não a sabedoria, vale tudo!”

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O texto acima, que coloquei propositadamente entre aspas, é a transcrição do trecho de um livro em língua estrangeira, livro que causou a maior catástrofe no século 20. Evidente que não foi pensado nem escrito por um democrata. Não era realmente um escritor, seu estilo é confuso, até mesmo desequilibrado. Contudo, o perfil que ele traça da imprensa, em geral, não mudou muito de seu tempo para cá.

Ao analisar a importância da imprensa na sociedade e no Estado, o autor desconhecia as novas técnicas de comunicação, como a internet e redes sociais, que não existiam no tempo dele.

De maneira que se limitou apenas aos jornais e revistas impressos. Não chegou ao clichê segundo o qual a imprensa seria o quarto poder, quando, na realidade, a mídia seria uma força, mas não um poder.

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[Carlos Heitor Cony é jornalista e escritor, colunista da Folha de S.Paulo]