Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os erros da enciclopédia Veja Larousse

A enciclopédia Veja Larousse, vendida em bancas com a revista Veja, repete a Larousse Cultural, vendida em bancas em 1998, encartadas nos jornais Folha de S. Paulo e O Globo.


Não é possível ainda fazer uma análise: apenas dois volumes chegaram às bancas. Mas um rápido exame de alguns verbetes revela economia injustificada de informações, contrariando o nome da coleção, que oferece ao leitor um ‘dicionário enciclopédico ilustrado’.


Alguns exemplos do empobrecimento


Poucas obras de consulta dirão que a cineasta Suzana Amaral tem a altura de Emmanuel Kant (1,48 m). Isso fica por conta dos biógrafos, mas a altura, assim como a idade da pessoa, pode ser relevante em algumas notícias.


O laudo que do duplo assassinato de Paulo César Farias e sua namorada Suzana Marcolino fez o legista Badan Palhares teve, entre sérias contestações, o erro da altura da moça em alguns centímetros, falha imperdoável para um profissional. Se sequer mediu direito o cadáver, que se poderia esperar do essencial: quem matou a quem, onde, como e por quê.


Mas nossas obras de consulta costumam incorrer em erros primários. Para a Larousse Cultural, a cineasta nasceu em 1928. Para a Larousse Veja, em 1932, que lhe dedica menos de quatro linhas. Não é todo dia que temos um cineasta brasileiro vencendo festivais no exterior. Portanto, se a estatura da cineasta é uma curiosidade, é relevante o fato de ter ensejado o prêmio de melhor atriz para Marcélia Cartaxo no Festival de Cinema de Berlim, em 1986, coisa que Larousse Veja omitiu. E agora? Como fica o leitor? Larousse Veja retirou a informação do Festival de Berlim por quê?


Alguns verbetes sofreram extirpações de erros, mas o erro não foi corrigido, apenas omitido, de que é exemplo AMARILDO. Na Larousse Cultural é dito que ele foi campeão mundial em 1962, substituindo Pelé, que se contundiu durante o jogo Brasil e Espanha. Na Larousse Veja o erro foi retirado, mas não se informa que a contusão de Pelé deu-se no jogo Brasil e Tchecoslováquia, não no de Brasil e Espanha, quando Amarildo brilhou, fazendo os dois gols da virada de 2 x 1.


AMÉLIA, ‘mulher amorosa, passiva e serviçal’. Só? E o sambinha. É verdade que ‘Amélia não tinha a menor vaidade’ e não faria questão de constar em enciclopédia, mas fazer um verbete sem aboná-la com a letra famosa toca as raias da birra. E a rainha Amélia, de vida trágica – o marido e o filho foram assassinados em sua presença – presente na Larousse Cultural, sumiu da edição Veja Larousse.


O verbete AMÉM, indicador de anuência e aprovação, conclui orações da liturgia ‘cristã e judaica’, informava a anterior. Esta, inexplicavelmente, retirou a designação ‘cristã e judaica’. É relevante a informação, pois Amém veio da liturgia hebraica para a cristã.


Em AMIGO-DA-ONÇA, Veja Larousse retirou a referência ao cartunista Péricles Maranhão, que deu famoso ícone de representação ao amigo-da-onça nas páginas de O Cruzeiro.


Grandes vultos da História do Brasil sofreram amputações incompreensíveis. José de Anchieta merece menos de sete linhas em Veja Larousse, mais ou menos 25% do que tinha na Larousse Cultural.


Propaganda enganosa


Como obra de consulta, Veja Larousse não cumpre o que anuncia em destaque: ‘tudo o que você precisa saber em um só lugar’, ‘informações enciclopédicas’.


Aguardemos os próximos volumes. Quem sabe os tropeços ocorreram apenas nos dois primeiros volumes. Torçamos para que Bertrand Russel estivesse certo quando, tendo a leitura interrompida numa viagem de trem por um rapaz que o convidava a ver pela janela como tinham bastante lã as ovelhas de certo rebanho, disse: ‘Pelo menos do lado de cá’.


PS. O autor não viajou aos dois volumes financiado por quem quer que seja. Assinante de Veja, recebeu o primeiro em casa e comprou o segundo na banca.

******

escritor e doutor em letras pela USP, Deonísio da Silva é diretor do Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá.