Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Qualidade da informação em debate

Fazer um jornal a serviço do Brasil requer o máximo de respeito pelo público – não só leitor, mas também aquele que, por motivos que não vêm ao caso, não lê ou não tem acesso à informação. Em outras palavras, ser um jornal a serviço do Brasil é respeitar o povo brasileiro, oferecendo-lhe informações corretas, analisando os fatos pelas diversas óticas possíveis, refletindo os acontecimentos sob o ponto de vista do crescimento do país, trazendo matérias relevantes para com a questão nacional, estando atento e denunciando os crimes cometidos contra a população, sendo instrumento de cobrança junto ao poder público e representativo. Enfim, realizando a função de um jornal imparcial e comprometido com a ética social que lhe é incutida. Porém, nem sempre as premissas justificam as conclusões.

No ano de 2006, em vários momentos, a Folha de S. Paulo deixou de servir ao Brasil, seja na cobertura das eleições – na qual o jornal não foi tão esclarecedor, não foi a fundo nas informações, se prendeu aos fatos ‘do momento’, foi extremamente omisso nas eleições governamentais e para deputados e senadores; seja no caso do dossiê, quando divulgou informações incorretas e fez manchetes ‘panfletárias’ acusando pessoas que posteriormente, corretamente ou não, foram inocentadas pelas investigações. Quando a questão passou à ‘crise na aviação’, a Folha mostrou a fragilidade de seus repórteres, que não souberam transmitir a situação e tampouco pesquisaram as causas do acidente veiculando informações ‘frias’ sobre o acontecido.

Qualidade duvidosa e tom maniqueísta

No campo opinativo, os colunistas conseguiram elevar as considerações sobre o jornal, embora nem sempre com textos reflexivos ou esclarecedores – nem é esta sua função. As colunas da Folha demonstraram o potencial de escrita de seus redatores, com especial destaque para a coluna de Clóvis Rossi sobre a invasão das instalações da Petrobras por Evo Morales e para os textos de Carlos Heitor Cony.

A seção ‘Tendências e Debates’ poucas vezes foi utilizada ‘com o propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir tendências do pensamento contemporâneo’. Na maioria das vezes lemos textos de pessoas defendendo ideais de partidos políticos e a qualidade dos textos, em grande parte dos casos, foi duvidosa devido ao tom maniqueísta e panfletário. O melhor tema, e no qual foram escritos os melhores textos, foi publicado no sábado, 23 de dezembro, quando a seção utilizou uma frase de Dostoievski retirada do livro Os irmãos Karamazov (‘Se Deus existe, tudo é permitido?’). Tanto Luiz Felipe Ponde, quanto Renato Janine Ribeiro souberam expor seus argumentos de uma forma clara e sem a premissa de doutrinar ninguém.

Em relação à seção ‘Mundo’, a Folha acompanhou as tendências e noticiou os principais fatos ocorridos, não procurou ‘furos’ jornalísticos e tampouco publicou notícias que não pudessem ser acompanhadas em outros jornais ou mesmo na internet. Quando publicou artigos nesta área, quase sempre utilizou as traduções de Clara Allain, o que é um tanto quanto ruim, pois tivemos quase que exclusivamente visões internacionais sobre fatos que influenciam o Brasil, quando a inserção de uma análise de um escritor nacional viria completar ou mesmo suprir a necessidade de reflexão sobre o fato.

‘Ilustrada’ na sombra do ‘Caderno 2’

Vinicius Torres Freire foi o ponto forte quando a questão dizia respeito ao mercado financeiro e ao caderno ‘Dinheiro’: as notícias não foram muito diferentes das publicadas em outros veículos e tampouco seu conteúdo foi superior. Ficando no campo superficial, deram a idéia, errônea, de que a economia gira em torno da taxa Selic, dos juros e da Bolsa de Valores.

O caderno ‘Cotidiano’ tornou-se, de certa forma, uma colcha de retalhos com notícias muitas vezes frias, outras insossas e pouco apuradas. O caderno merece seus méritos, com ressalvas, pela cobertura dos ataques do PCC. Com ressalvas porque acabou fazendo um sensacionalismo que em nada contribuiu para o esclarecimento completo dos fatos ou para informar a população acerca do que estava acontecendo – uma das grandes causas do que acabou se tornando os ataques: quase um estado de calamidade pública.

Em se tratando de cultura, a Folha simplesmente ficou na sombra do ‘Caderno 2’ do jornal O Estado de S.Paulo. Com matérias fraquíssimas, pouquíssima cobertura teatral, temas muito mais pop, pouco destaque a exposições e à ampla programação cultural da cidade. A ‘Ilustrada’ acabou sustentando sua leitura nos textos de seus consagrados Nelson, Bernardo, Marcelo, Contardo, Fernando, Carlos, Ferreira, Gabeira e Drauzio e em seus cartunistas. Com destaque para Caco Galhardo, que produziu (ironia) o melhor texto do caderno quando falou sobre a morte de Joseph Barbera. Um caderno cultural pede textos com estas características e não apenas lead e informações sucintas.

Não basta um mea-culpa

A educação se restringiu ao caderno ‘Fovest’ e a temas-espaços adotados nos suplementos ‘Folhinha’ e ‘FolhaTeen’, porém os textos não englobaram a complexidade do tema e muito menos seus problemas. Mantendo uma posição de certa forma elitista, os textos abordaram apenas aspectos referentes a uma determinada classe social e ao ensino privado, ou a determinadas qualidades que formam esta classe social. Esse foi o maior ‘desserviço’ do jornal em relação ao Brasil.

Uma crítica também deve ser feita ao caderno ‘Mais!’, que embora traga sempre temas e discussões atuais, publica muitos textos estrangeiros e suprimiu as poesias de sua editoria. Sendo que o melhor texto do caderno foi de Jon Lee Anderson.

Uma das premissas do marketing diz respeito à avaliação de suas ações. Certamente a Folha sabe disso e por este motivo conta com um ombudsman em seu corpo de escritores. Porém, não basta apenas fazer um mea-culpa – é preciso avaliar as ações afim de promover mudanças para que tenhamos uma qualidade superior e para que – aí, sim – tenhamos um jornal a serviço do Brasil sem distinção e partidarismos e em busca da informação isenta de prognatismo e sensacionalismos, com mais imparcialidade e em busca de um crescimento pelo menos no nível de qualidade da informação.

******

Coordenador de comunicação, Jundiaí, SP