Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Réquiem para um jornal satírico

O jornal de Siné, Siné Hebdo, morreu de morte morrida dia 28 de abril deste ano, vinte meses depois de fundado para ser ‘um jornal de humor e libertário’. O primeiro número saiu dia 10 de setembro de 2008. Sem mecenas e sem publicidade, o jornal teve de fechar as portas, apesar de ter colaboradores fixos de prestígio como o humorista Guy Bedos, o filósofo Michel Onfray e o escritor israelense Michel Warschawski.

Mas quem é Siné, perguntará o leitor brasileiro? Ora, Siné na França é uma mistura de Jaguar e Ziraldo, uma instituição do jornalismo satírico. Aos 80 anos, esse chargista anarquista não se intimidou quando em 2008 esteve no centro de uma polêmica. Reagiu fundando seu próprio jornal.

Ele fora acusado de antissemitismo pelo jornalista Claude Askolovitch, então repórter da revista Le Nouvel Observateur. Um dos textos de Siné, publicado no jornal Charlie Hebdo, foi considerado antissemita porque citava a conversão ao judaísmo do filho de Nicolas Sarkozy, Jean, para se casar com a rica herdeira de um império comercial. O humorista via no oportunismo do filho um traço do caráter do pai.

Cutucar o poder

Naquele julho de 2008, intelectuais franceses se dividiram em dois partidos, os pró e os contra Siné. A ex-advogada de Jean-Paul Sartre, Gisèle Halimi, de origem judaica, escreveu um artigo para defender Siné da acusação de antissemitismo. Bernard-Henri Lévy escreveu outro para acusá-lo de antissemitismo. Na imprensa, choveram artigos e manifestos contra ou pró Philippe Val, diretor de Charlie Hebdo, que despediu Siné por causa do artigo polêmico.

A melhor resposta de Siné foi a criação de um jornal semanal para concorrer com Charlie Hebdo. Assim nasceu Siné Hebdo. O processo contra ele por ‘incitação ao ódio racial’, movido pela Licra (Ligue Internationale contre le Racisme et l´antisémitisme) foi perdido pelos acusadores. Os juízes consideraram que Siné apenas usara seu direito à sátira ao zombar de Jean Sarkozy.

Agora, aos 82 anos, no último número de seu jornal Siné avisou aos seus leitores que se aposentava sem, contudo, parar de escrever e cutucar os donos do poder. Ele continua incomodando no site http://www.sinehebdo.eu/

Vale a pena ver as capas irreverentes dos meses em que Siné Hebdo foi publicado. Na internet, os primeiros números já são comprados por colecionadores.

A seguir, a tradução da íntegra de uma petição que circulou em apoio ao chargista, em julho de 2008:

 

‘Petição de apoio a Siné’

‘No dia 8 de julho, na rádio RTL, Claude Askolovitch, jornalista do Nouvel Observateur denunciava ‘um artigo antissemita num jornal que não o é’. Claude Askolovitch fazia alusão a uma crônica de Siné no Charlie Hebdo que reproduzimos a seguir: ‘Jean Sarkozy, digno filho de seu pai e já conselheiro geral da UMP [partido de direita que elegeu Sarkozy], saiu quase sob aplausos de seu processo por delito de fuga em scooter. O procurador chegou a pedir o reconhecimento de inocência! Mas isso não é tudo: ele acaba de declarar que vai se converter ao judaísmo para casar com sua noiva, judia e herdeira dos fundadores da Darty. Ele vai longe, esse menino!’

Temendo um processo por antissemitismo, Philippe Val, diretor da publicação, pediu a Siné para assinar uma carta se desculpando, o que o caricaturista recusou. A direção de Charlie resolveu demitir Siné.

Onde está o antissemitismo no texto de Siné? Ele denuncia, com o tom que é sua marca registrada, o oportunismo do filho do presidente da República. Philippe Val e a direção de Charlie Hebdo se curvaram diante de Jean Sarkozy, os leitores apreciarão. Outros continuam a fazer processos contra antissemitismo como antes se fazia contra feitiçaria.

Nós conhecemos bem Siné: sua maneira de se expressar exagerada, sua coragem intelectual, seu humor e sobretudo sua casa aberta a todos: judeus árabes, franceses, negros, bretões, homossexuais, comunistas (lista não-exaustiva), todos unidos para criticar em torno de um copo (ou de vários) uma sociedade cada vez mais moralista. Siné é isso. Não o que querem inventar Philippe Val e Claude Askolovitch. Por isso nós lhe trazemos nosso apoio incondicional. Siné não é antissemita. Siné não gosta dos babacas. Siné é um anarquista. Viva Siné.’

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Jornalista