Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Um tiro no pé

Em tempos daquilo a que chamo de Revolução das Fontes, a Petrobras ousou e inovou: implantou o blog Fatos e Dados, para um deliberado confronto com a imprensa. 

Na justificativa oficial, diz a Petrobras que o blog foi criado para garantir à empresa uma ferramenta própria de comunicação, nas rusgas que terá de enfrentar com a CPI que a investigará no Senado. A verdade, porém, é que Petrobras usou o blog para impor regras novas ao relacionamento com a imprensa, num exercício enviesado de autoritarismo lesivo aos mecanismos democráticos do direito à informação, que têm nos meios da comunicação jornalística um pilar essencial.

O equívoco, claro, não está na criação do blog. A Petrobras é um dos nossos mais importantes pólos geradores de conteúdos relevantes, conteúdos que ela própria tem o dever de disponibilizar, com as modernas ferramentas que a tecnologia coloca à sua disposição. Para isso, pelo que se diz, dispõe de um contingente de 1.150 profissionais de comunicação, boa parte deles jornalistas, que, diga-se de passagem, mantêm na Petrobras um dos melhores modelos brasileiros de comunicação empresarial.

O blog é, portanto, muito bem vindo.

Mas o uso que lhe foi dado, logo em seus primeiros passos, nada teve a ver com a nobre idéia de socializar conteúdos que interessam à sociedade. Em vez de colocar o blog a serviço das demandas sociais de informação, alguém na Petrobras decidiu que o blog deveria servir para divulgar, antes a imprensa pudesse fazê-lo, as respostas às perguntas recebidas das redações. Com o detalhe nada inteligente, nem prudente, de tornar públicas, também, as perguntas encaminhadas pelos jornalistas.

Ou seja: sem qualquer acordo prévio, portanto, de forma autoritária e desrespeitosa, a Petrobras passou a expor, publicamente, os planos de pauta das redações, que as perguntas revelavam. E essa, foi uma idéia de jerico.

Boas provas

Face às reações, a empresa fez um rápido mas moderado recuo tático, e outros recuos ainda fará, porque as áreas inteligentes do cérebro empresarial logo perceberam que o uso belicoso do blog contra a imprensa em nada ajudaria à defesa das razões da Petrobras, quando a CPI começar a fazer desvendamentos. Devem ter percebido, até, que o uso dado ao blog produzia danos sociais importantes, na medida em que atingia a confiabilidade da linguagem jornalismo, um bem público que à própria Petrobras interessa preservar.

O uso dado ao blog quebrava, assim, normas tradicionais de respeito à autonomia jornalística das redações, indispensável ao sucesso dos processos sociais. E a reação foi tal que a empresa teve de voltar atrás – e não custa acreditar que a lucidez e a experiência profissional do jornalista ministro Franklin Martins tenham influenciado na decisão.

Mas a reação da imprensa também teve exageros emocionais, roçando a imbecilidade. Os jornais reagiram como se tivessem sido atingidos no seu suposto poder de donos da notícia. O Estado de S.Paulo, por exemplo, no editorial em que, dia 10 de junho, desancava a Petrobras, chegou ao exagero de escrever que ‘a direção da estatal encontrou um meio de tolher no nascedouro (…) o bom jornalismo investigativo’.

Ora, senhor editorialista, ‘o bom jornalismo investigativo’ não se faz com questionários formais apresentados formalmente a fontes organizadas, e o próprio Estadão dá boas provas disso nas páginas da informação política, com as reportagens em que escancara podridões do Senado da República.

Interesse social

Para o mundo de hoje, e para a própria imprensa, é bom que a Petrobras tenha um blog ágil e confiável, onde disponibilize seus conteúdos mais relevantes. Mas a própria Petrobras deve saber – e se não sabia, aprendeu-o agora – que em empresas do seu porte e da sua responsabilidade não se coloca no ar nem se alimenta um blog para brincadeirinhas de tiro ao alvo em jogos de poder, para brigas menores. Os tiros podem atingir os próprios pés – e assim aconteceu.

No blog, a empresa se expõe, inclusive em suas fragilidades. Uma delas, a de só dizer o que lhe convém, fazendo propaganda e não jornalismo. Correndo, portanto, o risco de ser obrigada a fugir da verdade dos fatos. Ou a fugir dos fatos. E isso será facilmente flagrado e difundido. No caso da Petrobras, e do seu famigerado blog, é o que acontecerá de agora em diante, já que todas as lupas da imprensa agredida estarão voltadas para o que será dito e feito nesse espaço de exposição em tempo real.

Sob o ponto de vista das estratégias de comunicação, o que a Petrobras tem a fazer, inclusive usando criativamente o seu blog, é ocupar de forma competente, e com honestidade, o seu espaço de fonte importante, diria até fonte indispensável, nos processos da mediação jornalística. E ocupar esse espaço valorizando o poder efetivo que tem, de instituição geradora de conteúdos que interessam à sociedade e ao bom jornalismo.

Nesse papel, um bom blog só trará benefícios. Ao jornalismo e à Petrobras.

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Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação e professor de Jornalismo na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo