
(Foto: Markus Spiske/Pexels)
Aumentou muito o número de notícias e reportagens publicadas na imprensa sobre a possibilidade da explosão de uma bolha especulativa em torno da chamada inteligência artificial e do seu desdobramento numa crise no sistema financeiro internacional. A grande maioria das notícias embute um sutil alarmismo, mas quase nenhum texto se preocupa em dar a leitores, ouvintes ou telespectadores informações sobre como lidar com um crash financeiro globalizado.
A cobertura noticiosa ainda está no terreno das hipóteses, envolvendo também questões complexas como a desvalorização do dólar e do assustador endividamento público norte-americano. Apesar do noticiário estar cautelosamente no condicional, ficou evidente que a abordagem do problema adota o viés dos principais protagonistas no mercado financeiro e das elites políticas. Não há nenhuma preocupação em informar a partir da ótica de quem não tem um ‘airbag’ financeiro para amortecer o choque de um provável caos nas finanças mundiais.
Estômagos de aço
São esporádicas as notícias, entrevistas e reportagens mostrando como e porque 92% dos investimentos que alimentaram o crescimento de 3,8% do PIB norte-americano, no segundo trimestre de 2025, estão associados à chamada inteligência artificial. Nas bolsas de valores dos EUA, a IA também domina o pregão com 40% dos negócios. Ações de empresas ligadas à IA disparam e batem recordes de valorização nas bolsas (1), enquanto os especialistas ironizam dizendo que os investidores precisam agora ter ‘estômagos de aço’.
Tudo isto com base na expectativa, não confirmada, de lucros estimados em um trilhão de dólares nos próximos dois anos para empresas que adotarem a IA. Segundo o especialista em marketing e professor universitário Scott Galloway, sem os investimentos na IA o crescimento do PIB norte-americano este ano seria zero. Ainda segundo Galloway, uma queda de 20% nos rendimentos dos grandes investidores em IA deve causar uma redução de até 3% no crescimento do PIB dos EUA. Outros autores, como o também norte-americano Noel Johnson, dizem que há uma ‘corrida maluca’ das Big Techs envolvidas com a IA no sentido de lançar programas capazes de alimentar esta expectativa de lucros trilionários.
Os dados de organizações respeitáveis como Massachusetts Institute of Technology (MIT) revelam, no entanto, que 95% dos projetos sobre inteligência artificial generativa fracassaram em menos de um ano, desde 2023. O altíssimo índice de fracasso mostra a grande dificuldade dos pesquisadores e empreendedores em IA de produzirem modelos e programas capazes de gerar a lucratividade esperada pelos investidores.
A intensidade e volume dos investimentos aliada às incertezas sobre o futuro imediato da IA ampliam diariamente os temores de um crash no mercado financeiro mundial, materializado na perda de valor de ações e títulos de empresas listados em bolsas de valores e que financiaram projetos de inteligência artificial.
Tempestade financeira no radar
Acontece que um tsunami bursátil deve afetar duramente as finanças norte-americanas, ameaçadas por uma dívida pública de 36 trilhões de dólares, teoricamente impagável, e que se sustenta com base no pressuposto de que a economia do Tio Sam e o dólar aguentam qualquer crise. Pouco mais de 40% da dívida pública norte-americana estão em mãos de estrangeiros (governos e empresas), sendo a China o maior credor. Para pagar esta dívida, o PIB norte-americano terá que crescer num ritmo superior a 2% anual durante uma década, o que economistas consideram irreal.
A soma de temores de uma instabilidade futura aumentou depois da falência, no final de setembro, de três grupos financeiros norte-americanos muito ativos no segmento do crédito privado (2). A quebra dos grupos Tricolor, Zions Bancorp e Western Alliance Bancorp, bem como do conglomerado empresarial First Brands (3) provocou calafrios no sistema bancário global e alimentou uma nova disparada nos preços do ouro (4), um sintoma claro da incerteza sobre investimentos convencionais e sobre a estabilidade do dólar.
Tudo indica que há uma tempestade financeira se aproximando, mas os grandes conglomerados midiáticos mundiais parecem mais preocupados em influir no jogo dos grandes agentes econômicos do que com as pessoas comuns, que são a base do negócio da imprensa. Não se nota, até agora, nenhum esforço para explicar, em termos simples, a origem da sucessão de notícias desconcertantes na área financeira e, principalmente, como um eventual crash econômico mundial vai afetar os 99% da população mundial que está fora da faixa dos mais ricos. Sem informações, as pessoas ficam indefesas e não têm condições de impedir que acabem pagando boa parte da conta da crise.
- A Nvidia, empresa produtora de processadores para IA atingiu a espantosa cotação de cinco bilhões de dólares, recorde absoluto e histórico em matéria de valorização de empresas na bolsa de Nova Iorque.
- Crédito privado é uma modalidade financeira que oferece empréstimos sem obedecer à mesma regulamentação dos bancos oficiais. É uma espécie de sistema bancário paralelo baseado na captação de recursos com juros melhores do que os oferecidos pelo sistema oficial. Ver detalhes aqui.
- Mais detalhes sobre os casos mencionados em https://www.infomoney.com.br/mercados/como-perda-bancaria-de-us-50-mi-ligou-sinal-de-alerta-em-wall-street-e-abala-mercado/.
- A grama do ouro chegou a valer, na semana 19-25 de outubro, mais de 130 dólares americanos, uma valorização recorde de 42,3% ao ano.
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Carlos Castilho é jornalista, doutor em Mídias do Conhecimento (UFSC) e pesquisador associado do objETHOS
