Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Democratização em pauta no congresso da Abraço

As discussões em torno de uma Conferência Nacional da Comunicação participativa fortalecem uma mobilização social necessária para mudanças nas políticas de comunicação. Os clamores contra a tentativa do Ministério das Comunicações em fazer um evento vertical e autoritário revelam como é inaceitável que um governo popular, democrático e socialista, como o do presidente Lula, continue relegando a gestão da comunicação aos setores mais retrógrados e tradicionalistas de sua composição política. Esses atores realizam, de um lado, uma prática fisiologista de distribuição de concessões, principalmente, de canais educativos e, de outro, uma propaganda governamental baseada no marketing persuasivo para a conquista do receptor/eleitor.

Essa conjuntura permeará os debates do VI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), nos dia 14 a 17 de dezembro em Brasília. Conforme o relato de Heitor Reis, militante do movimento, as rádios comunitárias vivem o seguinte contexto:

** Apenas 50% dos municípios brasileiros possuem uma rádio comunitária outorgada;

** 20% dos municípios sequer tiveram um Aviso de Habilitação publicado;

** A duração média do processo de outorga é de mais de quatro anos, existindo processos em andamento no Ministério das Comunicações desde 1998, sem conclusão;

** Mais de quinze mil entidades tiveram seus processos de pedido de concessão de radiodifusão comunitária arquivados;

** O setor de outorga do Ministério das Comunicações não cumpriu os acordos firmados diante da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2005, quando se comprometeu a rever seus métodos e encaminhamentos diante da Comissão de Direitos Humanos da entidade e ainda inviabilizou o diálogo e o acompanhamento dos representantes das rádios comunitárias aos processos de concessão;

** O ‘coronelismo eletrônico’, segundo pesquisa dos professores Venício Lima e Cristiano Aguiar [ver, neste Observatório, ‘O coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)‘], atua fortemente em muitas emissoras comunitárias;

** A repressão contra ativistas das rádios comunitária continua aliada à apreensão de equipamento, prisões e até óbitos de comunicadores populares.

Chega a hora de iniciar uma ruptura com essa situação tendo como suporte os movimentos sociais que clamam por um planejamento participativo nessas políticas.

A democratização da comunicação, pressuposto básico para a construção de uma sociedade justa e participativa, só é possível com suporte de uma mobilização popular. É necessário que todos os sujeitos sociais tenham meios para expressar-se, opinar e, assim, poder participar plenamente das decisões. Essa política necessita atuar em três níveis fundamentais: o controle público das mídias, o incentivo a meios de comunicação comunitários e alternativos e a formação de uma audiência crítica.

Concepção etnocêntrica de cultura

A sociedade civil organizada precisa exercer um controle público das mídias por meio da aplicação de uma legislação que impeça a formação de oligopólios e deve participar das decisões nos conselhos editoriais de cada veículo. Não se pode admitir que 80% da grande mídia brasileira esteja nas mãos de sete famílias que utilizam de todas as formas para burlar as restrições legais. Também urge combater a produção de conteúdo baseada somente nos interesses comerciais e nos acordos políticos de seus proprietários.

Uma política de incentivo a meios de comunicação comunitários possibilita o fortalecimento dos movimentos sociais e a produção de conteúdo pluralista que respeite a diversidade cultural. As rádios e televisões comunitárias, jornais de associações e sindicatos, os sites de organizações não governamentais e os blogs de ativistas sociais são espaços fundamentais para a construção de uma política que não restrinja a concepção etnocêntrica de cultura como artefatos intelectualizados e cientificistas. A intervenção governamental precisa não somente dotar de recursos tecnológicos esses sujeitos sociais, como promover sua competência técnica e cultural, respeitando a liberdade criativa.

Inclusão social e educação

A formação de uma audiência crítica é imprescindível para o exercício da cidadania. O ‘analfabetismo’, na contemporaneidade, atinge não somente o domínio da escrita, mas também a falta de preparação para a leitura crítica das mídias audiovisuais e impressas. O receptor precisa ser capaz de perceber e questionar os interesses escamoteados nas notícias, os contra-valores dos programas de entretenimento e o insustentável incentivo ao consumismo da publicidade.

A preocupação com a democratização da comunicação atravessa os processos de construção de uma sociedade equânime e democrática. Aliada a políticas de inclusão social, de educação emancipadora e de cultura pluralista, cria condições de tornar a utopia da justiça social numa realidade.

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Jornalista, mestrando em Comunicação da UFPE e professor de ensino superior; Fortaleza, CE