Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O disfarce de Chapeuzinho Vermelho

sf. 1. Ato ou efeito de comunicar(-se). 2. Ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados. 3. A mensagem recebida por esses meios. 4. A capacidade de trocar ou discutir idéias, de dialogar, de conversar, com vista ao bom entendimento entre pessoas.

As definições acima constam no dicionário Aurélio e referem-se à palavra que, nesta semana, suscitou debates, editorias, colunas e matérias na imprensa, trouxe pessoas do governo para discussões na mídia, gerou briga entre ministros e até mesmo a ira internacional devido a declarações de viés acusativas. Comunicação. Neste caso em especial, a comunicação audiovisual pelo meio televisivo.

O governo, insatisfeito com a mídia e seus ‘abusos’, como diz Franklin Martins, resolve que é digno de possuir uma rede de televisão a fim de proporcionar ao povo mais informação a respeito de si mesmo, o governo. Diz que é seu desejo destinar ao povo mais qualidade na programação e clareza na relação eleitor/eleito. Além disso, seria uma rede ‘independente’ que não colaboraria com o ‘cartel’ que busca distorcer as ações altruístas do presidente da República e seus aliados.

É fato inegável – este Observatório e outros observadores da mídia atestam – que a imprensa comete falhas que, por sua total irresponsabilidade e falta de ética, ficam para a história. A Globo pode atestar exemplos, assim como as outras redes. Basta perguntar nos corredores para saber que nas televisões a ética que circula é o interesse, e não o bem público. O sexo, o dinheiro, o tráfico de influências e o poder movimentam sem nenhum escrúpulo este mercado de informação.

Exemplo de Goebbels

As redes de televisão negligenciam informação de acordo com seu interesse. A Globo não fala do coronelismo digital de Antonio Carlos Magalhães. O SBT foge a qualquer debate que envolva a mínima inteligência política e que se distancie do sensacionalismo, dramalhões mexicanos ou programas de ‘sopa aos mendigos’, nos quais quanto mais ‘mendigos’ consumirem a sopa, mais haverá lucro para aqueles que os ‘ajudam’.

A Record nunca colocou em questão os dogmas subjetivos da fé acima da razão e mesmo as palavras de Jesus quando conclama seus fiéis a se afastarem da ostentação, da riqueza e principalmente da política. A Bandeirantes, relegada ao ‘baixo clero’ junto com Cultura e outras que não têm poder, nem procura reportagens mais investigativas sobre as mazelas do governo e nem tampouco sobre a podridão que impera no meio do qual faz parte.

Frente a este quadro deplorável da imprensa na televisão brasileira, é necessário uma reforma, revisão, plano, ou qualquer nome que o valha, desde que vise à melhoria da informação que é vendida ao telespectador, que na atual conjuntura é importante apenas como mais um número no Ibope.

Porém, o projeto do governo de possuir uma TV estatal ou pública – o adjetivo depende de quem o pronuncia ou o que esconde – para combater este ‘mal’ é inválido sob qualquer ótica ou definição e vai contra tudo aquilo que se espera ou que se entende por democracia. Nenhuma democracia mundial necessita de uma televisão emparelhada com a máquina pública, ainda mais sob a falsa máscara de independente. Goebbels e seu projeto de comunicação são exemplos de como a comunicação não pode ficar nas mãos do governo.

Assessoria de imprensa camuflada

Nenhum veículo de imprensa pode ou deve receber incentivos do governo ou de qualquer político, devido à imparcialidade que os deve reger. Uma rede de TV em posse do governo seria uma TV corrupta, visto que todas as práticas que corrompem os canais de televisão são quase sempre normas de conduta na política. Somente isto pode explicar o presidente Lula nomear Marta Suplicy para o Ministério do Turismo, sendo que ela, como disse a Folha de S.Paulo de sábado (24/3), não sabe o que o pessoal do Turismo faz; explicar o aperto de mãos entre os amigos Collor e Lula, ou mesmo o impedimento de CPIs realizado por FHC em seu governo.

Diferente do que conclamam os defensores de uma TV a serviço do Executivo, ela não terá por objetivo o debate ou a clareza na informação. Certamente, será um veículo de difusão dos valores do governo e não colocará em debate as mazelas que este cometer, como tampouco irá incitar uma posição crítica quanto ao mesmo. Será – como o é o canal do governo na Venezuela, os canais de televisão em Cuba, a grande maioria dos canais nos EUA, na China e na antiga URSS – um instrumento de persuasão destinado a fazer propaganda do governo.

Em outras palavras, uma assessoria de imprensa aberta ao grande público camuflada de imparcialidade e, no caso em questão, de alternativa e independente, desejando levar consigo a auréola do pensamento crítico e imparcial, subvertendo ainda mais a população.

O disfarce de vovozinha

Mudar a legislação ultrapassada que vigora no audiovisual é a melhor forma de mostrar preocupação com o povo. Políticos e pessoas ligadas diretamente a partidos e candidatos não podem possuir ou exercer influência em veículo algum de comunicação de massa. Caso seja comprovado abuso da imprensa, esta deve, sob pena da lei, retratar-se e divulgar a informação correta à população. Conteúdo ofensivo, abusivo e em desacordo com o ECA, deve ser restrito a horários e fusos horários, sob pena da lei.

Da mesma forma que se dá voz à vítima, deve-se assegurar o direito ao acusado, no caso de pessoas públicas; o mesmo destaque dado à acusação, deve ser dado à defesa, não como fazem – principalmente as revistas – os que acusam sem prova alguma, a ponto de negociarem a compra de informações (caso dossiê). E, principalmente, todos os veículos de comunicação devem ter assegurado seu direito de opinião, desde que esta não interfira na exposição dos fatos e facetas que compõem a informação e a notícia.

Sob o disfarce de vovozinha, os defensores de uma TV do governo dizem que os olhos grandes são para enxergar melhor, os ouvidos para melhor escutar as palavras, o nariz para melhor sentir o cheiro e a boca – bom, desde abocanhar melhor o dinheiro público a convencer de que não há macula na Presidência – serve para muita coisa, menos para propor decência no cenário hipócrita da televisão.

Que venha o lenhador.

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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP