Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

O que muda com Barack Obama?

A Free Press é uma ONG sem fins lucrativos que sobrevive da contribuição de seus membros e foi fundada pelo professor Robert W. McChesney (University of Illinois), pelo jornalista John Nichols (The Nation) e por Josh Silver (ex-diretor da Smithsonian Institution), em 2002. Possui escritórios em Washington, D.C. e Florence, Mass. Em menos de seis anos, se transformou em uma entidade ativa e influente, com cerca de meio milhão de militantes. Através de ações educativas e legais, a Free Press luta por uma mídia plural e diversa, pelo fortalecimento da mídia pública e pelo acesso universal às comunicações nos Estados Unidos (sim, nos EUA).


Aqueles que estão na lista de e-mails da Free Press receberam uma mensagem de seu diretor-executivo, Josh Silver, no dia 11 de novembro, chamando atenção para as grandes transformações que deverão ocorrer na mídia estadunidense se o presidente eleito Barack Obama cumprir as promessas de campanha.


Alternativa ao sistema dominante


Contrariamente à política do governo Bush, Obama se declarou defensor da neutralidade (net neutrality) e do acesso universal à internet; defensor da mídia pública e forte opositor da propriedade cruzada dos grupos de mídia, estimulada, nos últimos anos, por normas da FCC – a Federal Communications Commission, agência reguladora das comunicações. Essas posições estão documentadas em entrevistas, press releases e pronunciamentos feitos pelo então candidato a presidente pelo Partido Democrata [cf. citações em português abaixo ou no original em http://www.freepress.net/node/45734].


Para a Free Press, as posições de Obama têm implicações imediatas, tais como: (1) o Congresso e a FCC devem criar normas que garantam acesso aberto à internet para todos os domicílios e empresas, urbanas e rurais, ricas e pobres; (2) deverão ser criadas regras que impeçam maior concentração da grande mídia e, ao mesmo tempo, incentivos para fortalecer a mídia local independente – jornais, emissoras de rádio e televisão; e (3) deverá crescer o financiamento do Estado à mídia pública e comunitária, assim como a outros grupos não-comerciais, paralelamente às garantias de não interferência político-partidária.


Essas medidas significam redirecionar bilhões de dólares do ‘Universal Service Fund’, isto é, do serviço telefônico para a ‘inclusão digital’ e para o financiamento da mídia pública e não-comercial. Tudo isso com o objetivo de fortalecer uma alternativa ao sistema de mídia dominante (isso mesmo, nos EUA).


Políticas democratizantes


A se confirmarem as esperanças da Free Press, uma nova política de comunicações deverá ser implementada pelo governo dos Estados Unidos. O importante papel que a mídia pode desempenhar no aumento da participação cidadã e na construção democrática deve ser fortalecido.


A fulminante campanha eleitoral de Obama se utilizou largamente da internet, não só para arrecadação de fundos, mas também para a organização de voluntários e a mobilização de novos eleitores, sobretudo jovens. O presidente eleito sabe, portanto, melhor do que muitos, o que ela pode representar. Além disso, tendo trabalhado junto a setores excluídos da comunidade negra e latina na região de Chicago, ele conhece de perto a importância da mídia local, comunitária e não comercial.


As tentativas de facilitar ainda mais a concentração dos grandes grupos multimídia através da ‘flexibilização’ da propriedade cruzada deverão cessar. E o sistema público deverá sair fortalecido.


Bom para o Brasil?


Considerando a posição de referência que os EUA sempre tiveram na formulação das políticas públicas no nosso país, é de se esperar que, se essas mudanças de fato acontecerem, repercussões positivas chegarão até nós.


Quem sabe, 45 anos depois, poderemos repetir a famosa frase do ex-embaixador brasileiro em Washington (1964-1965) e ex-ministro das Relações Exteriores (1966-1967), general-de-divisão Juraci Magalhães (1905-2001): ‘O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil.’ Só que em 2009, confirmadas as expectativas, a política de comunicações dos EUA seria, de fato, boa, tanto para lá como para cá.


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Barack Obama e a mídia


Sobre concentração


‘Eu me comprometo a reavaliar as atuais políticas da FCC – Federal Communications Commission, agência reguladora das comunicações – em termos de diversificação da mídia. E algo que quero fazer é expandir a diversidade de vozes na mídia, ou adotar políticas que o incentivem, levando em conta que a própria natureza da nossa mídia vem mudando tão rapidamente que talvez a coisa mais importante que possamos fazer seja preservar a diversidade que vem emergindo com a internet. A internet ainda não é a principal fonte de notícias para o povo, mas vem se tornando, cada vez mais, a principal fonte de notícias… Ainda há uma multiplicidade de vozes na internet e, portanto, trata-se de saber como preservá-la, na medida em que as grandes empresas começam a tentar ocupar esse espaço.’


Sobre a mídia local alternativa (não-comercial)


‘Jornais e estações de rádio possuídas e operadas por minorias representam um papel fundamental para as comunidades afro-americanas e latinas e trazem questões das minorias para o palco das discussões nacionais. No entanto, a FCC [Federal Communications Commission] não conseguiu ampliar os objetivos da diversidade na mídia e promover as questões locais e, conseqüentemente, não está em posição de justificar a crescente concentração do mercado. Além do mais, 30 dias de avaliação pública de uma proposta de mudança específica é um prazo insuficiente para julgar os efeitos que essa mudança teria nos mercados midiáticos ou os motivos em que se basearam essa proposta… Está na hora de criar um painel independente, conforme recomendou o comissário Adelstein, que elabore uma proposta específica para ampliar o objetivo da diversidade junto aos proprietários dos meios de comunicação. Discordo que a agência avance nos propósitos de permitir uma maior concentração do mercado da mídia sem compreender, previamente, como isso limitaria as oportunidades das minorias, das pequenas empresas e de empresas de propriedade de mulheres.’


Sobre a neutralidade na internet


‘Não recuarei em meu compromisso com a neutralidade. A internet é a rede mais aberta que existiu até hoje. Assim a teremos que manter. Evitarei que provedores utilizem, de alguma maneira, uma discriminação que limite a liberdade de expressão na internet. Como a maioria dos norte-americanos tem como única opção um ou dois navegadores de banda larga, as operadoras não resistem à tentação de impor um custo ao conteúdo e serviços, discriminando sites que não se disponham a pagar por um tratamento igual. Isso poderia criar uma internet em dois níveis, na qual os sites que melhor se relacionassem com os provedores teriam mais rápido acesso aos consumidores, enquanto seus concorrentes permaneceriam num nível mais lento. Esse tipo de conseqüência representaria uma ameaça à inovação, à tradição aberta e à arquitetura da internet e incentivaria a concorrência entre conteúdo e os principais provedores. Representaria também uma ameaça à igualdade de oratória com que a internet começou a transformar o discurso político e cultural norte-americano. Conseqüentemente, os provedores de internet não deveriam ser autorizados a cobrar pelo privilégio de conteúdo e diligência a alguns sites da internet em detrimento de outros.’

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)