Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Sobre a cartografia da terra de ninguém

Após a publicação, neste Observatório, do artigo sobre a inexistência de um cadastro geral de radiodifusão que o cidadão comum possa consultar e saber quem são os concessionários deste serviço público (ver ‘Concessões na terra de ninguém‘), recebi informações de leitores e amigos sobre o caso citado como exemplo: as emissoras de propriedade do empresário e político brasiliense Paulo Octávio (PO), no Distrito Federal.


Na verdade, das cinco emissoras de rádio e televisão que aparecem no site das Organizações Paulo Octávio como pertencendo ao grupo (ver aqui), somente duas foram encontradas nos sistemas da Anatel com o nome de PO e/ou de membros de sua família, no Distrito Federal: a TV Brasília, que aparece como Rádio e Televisão CV Ltda e a Rádio JK FM (ver abaixo).


TV BRASÍLIA


 


Rádio JK


 


Registre-se que, embora seja de conhecimento público que os Diários Associados, por intermédio da TV Alterosa de Belo Horizonte, tenha adquirido metade do capital acionário da TV Brasília, em janeiro de 2008 – há mais de dois anos – no Sistema de Acompanhamento de Controle Societário da Anatel (SIACCO) ainda consta que o grupo de PO é seu único proprietário (ver aqui).


Mistério


Com relação às outras três emissoras de rádio que constam no site das Organizações Paulo Octávio como pertencendo ao grupo, duas foram localizadas em cidades do entorno do Distrito Federal – Valparaíso e Santo Antônio do Descoberto, no estado de Goiás – mas o nome de PO não aparece no quadro societário.


RADIO PRINCIPAL FM LTDA,
Valparaíso, Goiás;
opera como Rádio Mix 88,3
em Brasília (ver aqui)


FUNDACAO CULTURAL ECLETICA UNIVERSAL,
Santo Antônio do Descoberto, Goiás;
opera como Globo AM 1160 kHz,
em Brasília (ver aqui)

 


Já a Bandeirantes AM, 1410 kHz, não foi encontrada nos sistemas da Anatel. A Folha de S.Paulo revelou, em 12 de janeiro deste ano, tratar-se da rádio Voz do Cerrado que estaria registrada em nome de PO, desde 2004, na Junta Comercial de Goiás (qual cidade?) e que, inclusive, a emissora não teria sido incluída na declaração feita ao Tribunal Regional Eleitoral pelo então candidato a vice-governador, em 2006 (ver aqui, para assinantes).


Lições reiteradas


Certamente, não é novidade que informações pontuais, eventualmente garimpadas nos sistemas da Anatel, estejam desatualizadas.


Não é privilégio ou exclusividade de Brasília a utilização de cidades vizinhas para servir de sede para outorga de emissoras de rádio e/ou televisão que, na verdade, se destinam ao mercado das respectivas regiões metropolitanas. Isso ocorre em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e outras capitais e/ou regiões metropolitanas e trata-se de fato conhecido.


Também não é novidade que emissoras não tenham registro no Ministério das Comunicações com os nomes que de fato se utilizam para ‘ir ao ar’ ou que o verdadeiro proprietário se ‘esconda’ atrás de ‘laranjas’ e não apareça nas (eventuais) informações oficiais.


Alguns desses procedimentos, por óbvio, constituem ilicitudes que deveriam ser fiscalizadas e devidamente punidas. Mas não são.


De tudo isso, permanece o fato já sabido de que não há transparência em relação às outorgas do serviço público de radiodifusão. O caso de PO no Distrito Federal é apenas mais um de centenas de outros. O cidadão comum não tem acesso a uma informação que deveria ser pública, tão pública como o próprio serviço de radiodifusão. As concessões de rádio e televisão constituem mesmo uma terra de ninguém.

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher,2010