Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

‘Estamos perplexos’

Os aspectos obscuros –e, enquanto o forem, também suspeitos – em torno das alegadas acusações do doleiro Alberto Youssef a Lula e a Dilma Rousseff, publicadas por “Veja”, aumentaram em número, em gravidade e no emaranhado.

O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, negou a notícia de “O Globo”, comentada em artigo aqui [ver abaixo], segundo a qual as acusações foram feitas como “retificação” a depoimento anterior, respectivamente, nos dias 22 e 21 últimos. O jornal atribuíra o pedido de “retificação” a “um dos advogados” de Youssef, o que Antonio Basto também nega.

Ao fazer a retificação da “retificação”, “O Globo” continuou sem identificar o tal advogado e sem informar a procedência da notícia contestada. O que não é incomum nem lhe acrescenta qualquer responsabilidade. Mas obscurece um pouco mais o caso. Porque na origem da informação incomprovada havia o óbvio propósito de complicar mais o episódio, dificultar sua elucidação.

Não foi a primeira intervenção negadora de Antonio Basto, nem a mais importante. E não muda em nada os aspectos que a Polícia Federal considera necessários investigar em inquérito. Por suspeitar de indução para que Youssef, preso e dependente de benefícios prometidos, mas ainda não formalizados, fizesse as acusações para influírem no eleitorado. Possível crime não incluído na atual delação premiada.

“O Globo” foi também o primeiro jornal a noticiar as acusações publicadas por “Veja” a 48 horas da eleição presidencial. No seu texto, dia 24, à pag. 5: “O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto (…) disse não ter conhecimento da informação citada pela revista”. E dá a palavra ao advogado: “Eu nunca ouvi falar nada que confirmasse isso (que Lula e Dilma sabiam do esquema de corrupção na Petrobras). Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso – afirmou Basto”. Os parênteses nesse trecho são do jornal.

Mais: “Ele disse que Youssef prestou muitos depoimentos no mesmo dia [21] e que o doleiro estava acompanhado de advogados de sua equipe”. Palavras de Antonio Basto: “Conversei com todos da minha equipe e nenhum fala isso [a acusação]. Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo. É preciso ter cuidado porque está havendo muita especulação”.

A que não houve

Antonio Basto “nunca ouviu falar” nas acusações atribuídas a seu cliente. Entre “todos na sua equipe”, “nenhum fala isso” (ter havido acusação). E, no entanto, como o advogado quis esclarecer ao negar a notícia posterior de “retificação” acusatória, “participam dos depoimentos a Procuradoria-Geral da República, delegados da Polícia Federal e agentes, além de um advogado de defesa”.

O que essa explicação transmite é a confirmação da presença, sempre, do próprio Basto ou de advogado de sua equipe, portanto não se explicando que houvesse a acusação e nenhum deles soubesse dela. Tanto mais sendo acusação tão grave, em momento tão sensível. E, Basto esclarece ainda, cada advogado da sua equipe, nas audiências e depoimentos, “confere os documentos produzidos [o que implica leitura das declarações] e as assinaturas”.

A retificação do dia 22, para incluir as acusações a Lula e a Dilma, não houve. E essas mesmas acusações no depoimento do dia 21, das quais a defesa “não ouviu nada” e “nunca ouviu falar” antes de servidas ao país pela imprensa?

A resposta profissional de Antonio Figueiredo Basto, como apareceu também na Folha da véspera da eleição, é que “não desmente nem confirma”. Explica-se: mesmo o advogado, se disser mais do que “não ouviu falar”, e fórmulas assim, estará violando o sigilo exigido para a delação premiada do cliente e anulando-a, não importa se confirma ou se nega o que quer que seja.

O noticiário político da Folha foi cobrado, internamente, para informar sobre a retificação do depoimento –a tal que não houve. Na verdade, procurou fazê-lo, mas, como respondido à cobrança, a retificação foi negada por dois agentes e por um dos advogados do caso. E é verdade que fui avisado disso, mas já perto das 8 da noite. Não houve como localizar em tempo o advogado, nem desejei sustar o comentário sobre a notícia de “O Globo” por entender que todo este assunto das acusações, e das circunstâncias em que apareceram, precisaria ser mexido até se conhecer o seu avesso.

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Um fato sem retificação

[Reproduzido da Folha de S.Paulo, 30/10/2014; intertítulo do OI]

Antes mesmo de alguma informação do inquérito, em início na Polícia Federal, sobre o “vazamento” da acusação a Lula e Dilma Rousseff pelo doleiro Alberto Youssef, não é mais necessário suspeitar de procedimentos, digamos, exóticos nesse fato anexado à eleição para o posto culminante deste país. Pode-se ter certeza.

Na quarta 22, “um dos advogados” de Youssef “pediu para fazer uma retificação” em depoimento prestado na véspera por seu cliente. “No interrogatório, perguntou quem mais sabia (…) das fraudes na Petrobras. Youssef disse, então, que, pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem. A partir daí, concluiu-se a retificação.” Ou seja, foi só a acusação.

As aspas em “vazamento”, lá em cima, são porque a palavra, nesse caso, sem aspas será falsa. As outras aspas indicam a origem alheia de frases encontradas a meio de uma pequena notícia, com a magreza incomum de uma só coluna no estilo em tudo grandiloquente de certos jornais, e no mais discreto canto interno inferior da pág. 6 de “O Globo”, de 29/10. Para precisar melhor: abaixo de um sucinto editorial com o título “Transparência”, cobrando-a da Petrobras.

Já no dia seguinte à “retificação”, “Veja” divulgou-a, abrindo o material ao uso que muitos esperaram por parte da TV Globo na mesma noite e logo por Folha, “O Estado de S. Paulo” e “Globo”. Nenhum dos três valeu-se do material. Se o fizessem, aliás, Dilma, Lula e o PT disporiam de tempo e de funcionamento judicial para para uma reação em grande escala, inclusive com direito de resposta em horário nobre de TV. O PT apenas entrou com uma ação comum contra “Veja”.

O que foi evitado a dois dias da eleição, foi feito na véspera. A explicação publicada, e idêntica em quase todos os que se associaram ao material da revista, foi de que aguardaram confirmar o depoimento de Youssef. Àquela altura, Lula, Dilma e o PT não tinham mais tempo senão para um desmentido convencional, embora indignado, já estando relaxados pelo fim de semana os possíveis dispositivos para buscarem mais.

“O Globo” não dá o nome de “um dos advogados”. Até agora constava haver um só, que, sem pedir anonimato, foi quem divulgou acusações feitas em audiências judiciais, autorizado a acompanhá-las, que nem incluíam o seu cliente. Seja quem for o requerente, pediu e obteve o que não houve. Retificação é mudança para corrigir. Não houve mudança nem correção. E o pedido do advogado teve propósito explícito: os nomes de quem mais sabia da prática de corrupção na Petrobras. Uma indagação, com o acusado preso e prestando seguidos depoimentos, sem urgência. E sem urgência no processo, insuficiente para justificar uma inquirição especial.

Sem exceção

O complemento dessa sequência veio também na véspera da eleição, já para a tarde. Youssef foi levado da cadeia para um hospital em Curitiba. O médico, que se restringiu a essa condição, não escondeu nem enfeitou que encontrara um paciente “consciente, lúcido e orientado”, cujos exames laboratoriais “estão dentro da normalidade”. Mas alguém “vazou” de imediato que Youssef, mesmo socorrido, morrera por assassinato.

O boato da queima de arquivo pela campanha de Dilma ia muito bem, entrando pela noite, quando alguém teve a ideia de telefonar para a enlutada filha da vítima, que disse, no entanto, estar o papai muito bem. O jornalista Sandro Moreyra já tinha inventado, para o seu ficcionado Garrincha, a necessidade de combinação prévia com os russos.

A Polícia Federal suspeita que Youssef foi induzido a fazer as acusações a Dilma e Lula, entre o depoimento dado na terça, 21, e a alegada “retificação” na quinta, 23. Suspeita um pouco mais: que se tratasse de uma operação para influir na eleição presidencial.

A Polícia Federal tem comprovado muita e crescente competência. Mas, nem chega a ser estranho, jamais mostrou resultado consequente, quando chegou a algum, nos vários casos de interferência em eleições. Não se espere por exceção.

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Janio de Freitas é colunista da Folha de S.Paulo