Sunday, 12 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A agenda do tráfico

A imprensa brasileira está diante da possibilidade de esclarecer de maneira muito clara como o crime organizado conseguiu dominar durante décadas vastas regiões do Rio de Janeiro sem ser incomodado pelas autoridades. A prisão do traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem, pode permitir à polícia carioca revelar o sistema de apoio ao crime, não apenas com a identificação de autoridades que recebiam propina, mas também com o conhecimento sobre a lista de clientes encontrada na agenda de um de seus comparsas.

A possibilidade de o ex-chefão vir a integrar um programa de delação premiada é cogitada nos jornais de terça-feira (15/11), a partir de declarações do secretário de segurança pública do Rio, José Mariano Beltrame.

Trata-se de proposta a ser examinada pela Justiça e que pode oferecer dados importantes sobre o funcionamento do crime organizado, principalmente no que se refere à estrutura de financiamento do tráfico de drogas e do contrabando de armas e ao sistema de lavagem de dinheiro.

A sete chaves

O ex-chefão da Rocinha tem muito a ganhar com um acordo de delação, mas, conforme o calibre de seus ex-sócios do lado institucional do crime, pode ser eliminado antes mesmo de abrir a boca.

Sabe-se há muito tempo que estruturas como as que funcionam nas comunidades dominadas pelo narcotráfico precisam de apoio eficiente fora da zona do crime, para manter o fluxo de dinheiro e garantir abertos os canais de passagem da “mercadoria”.

Com a determinação demonstrada pelo secretário de Segurança, é muito provável que se consiga convencer o traficante a colaborar com a Justiça em troca de uma pena mais curta e de uma vida normal em algum lugar longe do Rio. Mas não se vê o mesmo interesse das autoridades e da imprensa pela agenda do sistema de entrega de drogas em domicílio.

Uma das razões desse súbito esquecimento deve ser o cuidado em preservar o usuário contumaz, que, afinal, deve ser tratado com muita complacência, segundo a tese da redução de riscos.

Mas seria um prato cheio para o público conhecer como até mesmo o tráfico de drogas reflete o sistema perverso de distribuição de oportunidades na nossa sociedade: no livro de ouro do tráfico haverão de constar nomes interessantes de políticos, policiais, celebridades, jornalistas e donos de casas de show que costumam oferecer a seus clientes todo tipo de guloseimas.

Melhor não. Melhor manter essa agenda bem guardada no cofre da Secretaria de Segurança.

 

Observatório na TV

O Observatório da Imprensa na TV desta semana conversou com Suzana Singer. Jornalista, com mais de 20 anos de profissão, Suzana é ombudsman da Folha de S.Paulo desde abril do ano passado.

Atento a deslizes e maneirismos dos profissionais de jornalismo, o ombudsman exige rigor e deve saber das qualidades e dos defeitos desses profissionais. Esse observador instalado nas redações responsabiliza-se, ou ao menos dá as caras, quando uma errata precisa ser feita. Representante “popular” do jornal, o ombudsman é uma espécie de fiscal. Trabalha com carta branca para melhorar a qualidade do jornalismo, se preciso até por meio de denúncias ao próprio veículo.

O ombudsman tornou-se figura conhecida no jornalismo brasileiro justamente numa inovação da Folha de S.Paulo, em 1989. Aberto um canal de comunicação e diálogo com os leitores, aumentou-se o zelo pela crítica e pela reflexão dos conteúdos, além de tornar o leitor, na teoria, um supervisor do trabalho feito na redação.

Para executar essa tarefa, o profissional mais preparado decerto estará atualizado quanto às mudanças de paradigmas sobre o ofício de ser jornalista. Discussões sobre a regulamentação desse profissional de mídia nos fazem pensar sobre o valor formal e o valor de fato dessa formação, sempre ampla e voltada aos interesses da sociedade.

Entre as tarefas do ombudsman pode-se alinhar também a prospecção do público, a análise da imagem que o jornal constrói entre seus leitores.

Em conversa com Alberto Dines, Suzana Singer falou sobre a responsabilidade do cargo e sobre seu desafio diário de analisar o conteúdo de um jornal de grande circulação. Na entrevista também foram debatidos temas ligados à profissão, o panorama do jornalismo atual e suas perspectivas.

Excepcionalmente gravada, esta edição do Observatório da Imprensa na TV vai ao ar nesta terça-feira às 22 horas, pela TV Brasil, em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky. [Com Lucas Rodrigues de Campos]