Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

A notícia e a paranóia

Num intervalo de meu plantão de fim de semana no jornal, leio, pela internet, matéria da Agência Estado segundo a qual ‘militares reformados e da reserva e parentes de militares fizeram neste domingo (5) manifestação pela valorização das Forças Armadas’, na orla de Copacabana, Rio de Janeiro. Entremeadas no texto, declarações sobre o ‘desmonte’ de Exército, Marinha e Aeronáutica, acusações de que ‘o MST não passa do braço armado do PT’ e supostos indícios de ‘um processo nazista-comunista no governo’. Todas saídas de oficiais da reserva, segundo os quais o clima político é semelhante ao dos três anos anteriores ao golpe (‘revolução’, preferem acreditar eles) de 1964.

Sou de 1978. Nasci 12 dias antes da revogação do Ato Institucional (AI) 5 e iniciei o primário em 1985, dois meses antes de o general-presidente Figueiredo encerrar seu mandato e pedir que o esquecessem. Portanto, na faixa dos que ainda não chegaram aos 30. Na escola, nada me disseram sobre o regime militar. Na faculdade, pouco ouvi de esclarecedor a respeito desse período. Um bom livro que li, intitulado Sombras sobre Santos, de 1988, relata o que entendi como reação de militares ao suposto avanço de ‘sovietes’ no governo do então presidente João Goulart, do qual escutei falar que pretendia promover, por exemplo, algo jamais realizado no Brasil: a reforma agrária.

Além de declarações

O ponto ao qual quero chegar é que a mídia não tem sabido relacionar fatos históricos, personagens e conseqüências de ações que transformaram (no mau sentido, num balanço de tudo o que me contaram) o país no que foi durante 21 anos de governos militares. Ou que a mídia não tem conseguido mostrar que, eventualmente, o passado não tem a ver com o agora. Pois, se militares tomaram o poder sob a alegação de que era vital combater pensamentos que classificavam como comunistas (e que talvez reduzissem a já elevada desigualdade social), não dá para compreender, sob essa ótica, do que têm medo no governo Lula – no qual bancos lucram indecentemente, não se fala em cortar impostos e a reforma agrária segue distante.

Ao menos para mim, que vivo a milhares de quilômetros de Brasília, esse tal clima de golpe surgiu de repente. Direitistas que hoje se dizem de oposição apregoam a existência de uma crise institucional, e os que estão no poder e ainda se intitulam esquerdistas confirmam que há quem queira, mesmo, derrubar o presidente Lula e seu governo. Algo (para mim, repito) extemporâneo, à vista das permanentes crises social, econômica e moral, e fica-me a impressão de que alguém tenta desviar o assunto do que realmente interessa à sociedade – e parcela de jornalistas seria levada a crer no que talvez inexista, mas tem de investigar.

Se há bruxas, a apuração precisa ir além de declarações. Como cidadão, preciso saber de quem tem condições de procurar fontes próximas o que pode estar havendo. Até para que, especialmente ao usar de minha profissão, contribua para que a democracia torta até aqui conquistada se endireite, em vez de descarrilar. E me convença de que ou estamos na iminência de um novo golpe ou o que surge é paranóia.

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Jornalista, 26 anos, repórter do jornal Diário do Litoral, de Santos (SP) e apresentador do programa Entrelinhas, na TV DL (www.tvdl.com.br)