Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A polícia e o motim do PCC em 2006

Roger Franchini foi investigador da Polícia Civil do estado de São Paulo de 2002 a 2008, quando resolveu transformar em literatura de ficção coisas que tinha visto nessa função. Escreveu primeiro o livro .40 (calibre usado pelos policiais paulistas), que ganhará em breve uma segunda edição. Em 2010, foi publicado seu livro Toupeira – A história do assalto ao Banco Central, em torno do qual gira esta entrevista. Depois saíram Richthofen – O assassinato dos pais de Suzane e Amor esquartejado – A investigação do assassinato do executivo japonês. Ele está escrevendo seu quinto livro, sobre uma central de escuta que foi pivô do conflito entre a Rota e o PCC, em 2012, e da demissão do então secretário de Segurança Pública de São Paulo, Antônio Pinto Ferreira, ex-oficial da Polícia Militar de São Paulo e ex-promotor. Ferreira concorrerá a uma cadeira de deputado federal pelo PMDB neste ano.

Eis a entrevista.

É fato que a grande imprensa não tem a capacidade de captar a proximidade entre polícia, crime e política?

Roger Franchini – É uma coisa tão pueril que não dá para acreditar que pessoas que estudaram deixem isso passar despercebido. O policial, em seu contato com a imprensa, usa uma máscara. Isso inclui estabelecer uma confusão entre os dois lados do “balcão”. De tal maneira que o policial não trabalha com os repórteres, mas faz os repórteres trabalharem para os policiais.

Visão do crime

Você ficou na polícia entre 2002 e 2008. O que aprendeu?

R.F. – A polícia me ensinou a ter uma visão privilegiada do crime. Saber ler nas entrelinhas. Tornou-se difícil ler jornais e até conversar com jornalistas. Difícil dar declarações sabendo o que será publicado. O que eu vivi, vivenciei, não dá para dizer que é verdade porque não há provas. Por exemplo, no caso de Toupeira – A história do assalto ao Banco Central, livro que escrevi a convite da editora Planeta e foi publicado em 2010, descrevo a correria muito grande que houve na polícia atrás do dinheiro. A polícia ficou louca. Foi uma caçada infernal. Quem mais investiu dinheiro na preparação do assalto foi o PCC. Policiais sequestraram e achacaram bandidos e parentes próximos deles. Até que sequestraram um afilhado do Marcola (líder do PCC). [Receberam o dinheiro e não soltaram o rapaz.] Marcola disse: “São Paulo vai parar.”

Forma literária à parte, o Toupeira… é praticamente um livro-reportagem.

R.F. – Escrevi como romance policial. Mas muitos jornalistas viram nele um trabalho jornalístico. Elio Gaspari comentou: “Pode ser ficção, mas faz um sentido danado” (ver aqui). Em relação à veracidade dos fatos, fiquei tranquilo depois da publicação de um trabalho da Universidade Harvard chamado “São Paulo sob achaque”. Mostra como entre 2005 e 2006 houve um crescimento gigantesco do número de sequestros. É uma comprovação técnica do que eu digo de forma literária.

Por que a polícia tem tantos problemas, na sua opinião?

R.F. – Porque o emprego é visto como dádiva dada pelo chefe. O sujeito se sente laureado com um grande presente de Deus. Até por isso, não existe desenvolvimento administrativo. As pessoas aceitam estar ali em péssimas condições, com uma carga horária brutal e salário baixo.

Medo, mercadoria valiosa

E a sensação de insegurança?

R.F. – O medo é uma mercadoria muito valiosa. Para empresas de mídia, por exemplo, para grupos políticos. Veja o caso recente do suposto resgate do Marcola. A imprensa vendeu a versão que recebeu. As pessoas ficam com medo. O Marcola hoje não tem processo. Está só terminando o cumprimento da pena. Em 2016, sai da cadeia pela porta da frente. Com a ficha em branco. Vai trocar isso pela ação arriscada? Trata-se de um tipo de ação que não é característico de uma pessoa que conseguiu parar São Paulo. Nem os piores roteiristas imaginariam isso. (Ver, neste Observatório, “O fato que não aconteceu”.)

Se é assim, como se explica a notícia, que teve grande destaque?

R.F. – É uma ação política. Em 2006, ano em que houve também eleição para governador, a polícia descobriu um plano de resgate de Marcola. Ficou em alerta. É difícil entender como grandes jornais e grandes repórteres reproduzem isso sem fazer uma boa pesquisa. O Google está aí. É preguiça? Quantos vão às delegacias, fazem contato com investigadores? Eu conheci meninas que tinham medo de entrar na delegacia. Queriam que as informações fossem levadas à porta. Eu dizia: “Vai lá, pergunta”. Elas preferiam receber as informações da Secretaria de Segurança Pública. A grande maioria das informações sobre o crime vem da administração pública, o que significa que há um filtro político. Não há a preocupação de levantar a verdade, ouvir uma outra versão. A verdade que passa é a que interessa a um grupo político.

Não houve evolução com a redemocratização?

R.F. – Antes de 1988 não era uma polícia, era o Exército que combatia inimigos do Estado. Não dá para chamar isso de polícia. Hoje, o Estado dá um distintivo e uma arma. O salário, cada um vai batalhar.

Boca fechada

E as pessoas aceitam tal situação?

R.F. – Há um grupo imenso de insatisfeitos dentro das polícias. Os policiais que os combatem internamente são os que têm dinheiro. Existe uma lei de 1968 que proíbe os policiais de “tecer críticas ao governo”. É proibido fazer críticas em público. Os que se queixam são ridicularizados pelos ricos. Ricos por herança ou por sucesso empresarial. Esses dizem que os queixosos “não são preparados, não têm vocação, porque quem tem não reclama”.

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