Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Até recuo é farsa

Involuntariamente, mas de modo certeiro, a mídia jornalística expôs na última semana de campanha os bastidores da encenação eleitoral – alguns preferem chamar de farsa. Analistas deixaram claro que o recuo depois do debate dos presidenciáveis na Band, tendo em vista o mal-estar causado pela agressividade dos contendores, não se deveu a convicções, mas a conveniências. Voluntariamente, a mídia divulgou todas as restrições feitas aos resultados obtidos pelas pesquisas às vésperas do primeiro turno. Sabe-se que pesquisas são fonte de muitas reportagens e outras tantas manchetes. E, em terceiro lugar, criou um embaraço lógico à tese de que os principais veículos são filiados ao PIG, Partido da Imprensa Golpista, acusação sistematicamente formulada pelo PIG, Partido da Imprensa Governista, na medida em que divulgou sem tergiversar a dianteira de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves indicada em pesquisa de opinião do Datafolha (jornais de quarta-feira, 22/10). Três salvas de palmas para a mídia jornalística.

A encenação, que é de todas as eleições, que é da política desde sempre, que é da vida, foi trazida a você, leitor atento, por um conjunto de textos e imagens. Comecemos pelo “debate” na Band entre Dilma e Aécio. A imagem refletida foi de agressividade. No momento seguinte, a mídia transmitiu um recado difuso: aquele tipo de ferocidade desagrada as arquibancadas (que ela mesma monta para que o público assista ao combate e ela possa vender seu tempo/sua atenção – seu, leitor, do público, a chamada audiência – aos anunciantes).

De mentirinha

Realiza-se então novo “debate”, na Record. E os jornais do dia seguinte (segunda-feira, 20/10) parecem dizer que os adversários recuaram em respeito ao mal-estar provocado pelo tom do “debate” anterior.

É o que indicam as manchetes acima, do Valor, do Estado de S. Paulo e da Folha. Mas não é exatamente o que se lê em reportagens e análises sobre o “debate”. No Estadão, José Roberto de Toledo desmascara a “compunção” das campanhas:

“Os ringues em que se transformaram os debates do segundo turno (…) são apenas a parte mais visível da troca de insultos. Ingenuidade achar que a anticampanha acaba nos sopapos verbais na TV. Isso é só o começo, é munição para a artilharia que vem na sequência.

“Uma das febres nos comitês subterrâneos de 2014 é o uso eleitoral do WhatsApp. O aplicativo de mensagens em tempo real funciona em qualquer smartphone e poupa o usuário de pagar por mensagens SMS. Transita seu conteúdo pela internet. É também uma rede social popular, onde grupo de usuários transmitem e recebem mensagens entre si. (…)

“Por essa característica híbrida, meio de telefone meio de computador, o WhatsApp caiu em um buraco negro regulatório no Brasil e acabou escapando à vigilância da Justiça eleitoral. É território livre de regras e proibições, um velho oeste onde hackers e candidatos fazem seu bangue-bangue” (ver “Na onda do ódio”).

O efeito almejado com a baixaria havia sido obtido no debate da Band. E os dois lados “recuam” em aparente sinal de respeito ao distinto cidadão indignado. Mas é de mentirinha. Logo passam a jogar mais carniça na arena. Em campanha eleitoral, pode-se dizer que nada comove ninguém.

Jornalistas vs. marqueteiros

Mas o grande desafio, histórico, pode estar num confronto entre jornalistas e marqueteiros (vários dos quais foram jornalistas, em passadas encarnações). Os primeiros estão perdendo, é notório. Quem pôs o dedo nessa ferida foi Nelson de Sá, na Folha. Título de seu artigo: “Agressão cede lugar ao tédio, tornando evidente falta que fazem os jornalistas.” Vale a pena ler o texto inteiro aqui.

Falar mal do governo

Transcrevo uma crítica a adversários de um governo e peço ao leitor que tente adivinhar quem disse isso, quando, em que contexto:

“Porque no Brasil nós temos uma democracia, porque no Brasil os governantes aceitam que os jornalistas os vilipendiem, distorçam às vezes a realidade, achem ruim e reclamem sempre, esquecendo-se muitas vezes de mostrar as suas qualidades, as qualidades dos governantes.”

Não, não é o que parece. A frase foi dita no Palácio dos Bandeirantes no dia 18 de julho de 1975, em plena guerra entre o general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do então II Exército, e o então governador de São Paulo, nomeado, Paulo Egydio Martins. Quem a pronunciou, colocando muita lenha na fogueira da perseguição a jornalistas, muitos deles comunistas, foi Fausto Rocha (foto), em cerimônia de encerramento de um ciclo de estudos da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg) no Palácio dos Bandeirantes. Fausto Rocha, porta-voz dos porões, era muito conhecido como apresentador de telejornais da TV Tupi e seria eleito deputado estadual em 1978. Ele morreu em 2011.

Três meses depois da inflamada denúncia de Fausto Rocha, doze jornalistas ligados ao PCB, todos com endereço certo e trabalho em veículos de comunicação, foram presos. Um deles era Vladimir Herzog, que não resistiu às torturas e morreu em 25 de outubro. A citação está em Audálio Dantas, As duas guerras de Vlado Herzog (2012).

Quem tenta calar jornalistas fica em péssima companhia na galeria da História.