Saturday, 11 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Bernardo de la Peña

‘Alvo da cobiça de políticos, as concessões de rádios e TV feitas pelo governo federal tiveram, na gestão petista, seu período de maior proliferação no auge da crise na Câmara, quando o então presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou e o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), aliado do governo, foi eleito para o cargo. Levantamento feito pela assessoria técnica do PFL mostra que entre 13 de setembro, quando surgiu uma cópia do cheque de R$ 7.500 dado pelo empresário Sebastião Buani a Severino, até o fim de outubro foram dadas 50 concessões de radiodifusão. Na prática, a autorização para que rádios e emissoras de televisão possam funcionar.

Média mensal ficou em 40

No período analisado, a média mensal de concessões ficou em 40. A maior parte ocorreu em outubro, já com Aldo na presidência da Câmara. Esse número é o dobro do registrado entre julho de 2003 e dezembro de 2004, quando a média mensal ficou em 18. Em 2005, o número de concessões até setembro foi menor. Entre janeiro e agosto, foram autorizadas em média por mês o funcionamento de 7,36 rádios e televisões.

Depois do dia 20 de outubro, o fluxo de autorizações também voltou ao normal. Segundo o levantamento do PFL, do dia 21 do mês passado até 7 de novembro haviam sido autorizadas oito concessões, média mensal de 13,3 autorizações. A liberação para o funcionamento de empresas de radiodifusão só foi menor nos primeiros seis meses do governo, quando não foi autorizado o funcionamento de nenhuma nova rádio ou televisão.

– Isso nos faz acreditar que o governo deve ter ampliado o número de concessões para garantir a base parlamentar e a retomada da Presidência da Câmara dos Deputados – afirma o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ). – O problema é que eles assumiram e ampliaram as práticas que o PT sempre disse que não eram corretas e que faziam parte de um grande fisiologismo do governo anterior. Eles conseguem fazer o fisiologismo e ampliar o que eles dizem ter sido feito no governo anterior.

Autorizações são enviadas ao Congresso pelo Executivo

O levantamento do PFL foi feito com base nas concessões de serviço de radiodifusão enviadas pela Presidência da República ao Congresso. As autorizações para exploração dos serviços são enviadas ao Congresso numa mensagem do Executivo. Na Câmara, recebem a denominação de TVRs e tramitam como projeto de decreto legislativo.

Na sexta-feira, a assessoria do Ministério das Comunicações foi procurada para falar sobre o assunto, mas não retornou as ligações.’



Jornal de Brasília

‘Concessões de rádio e TV viram moeda na Câmara’, copyright Jornal de Brasília, 20/11/05

‘Alvo da cobiça de políticos, as concessões de rádios e tv feitas pelo governo federal tiveram, na gestão petista, seu período de maior proliferação no auge da crise na Câmara, quando o então presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE), renunciou e o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), aliado do governo, foi eleito para o cargo. Levantamento feito pela assessoria-técnica do PFL mostra que entre 13 de setembro, quando surgiu uma cópia do cheque de R$ 7.500 dado pelo empresário Sebastião Buani a Severino, até o fim de outubro foram dadas 50 concessões de radiodifusão. Na prática, a autorização para que rádios e emissoras de televisão possam funcionar. No período analisado, a média mensal de concessões ficou em 40. A maior parte ocorreu em outubro, já com Aldo na presidência da Câmara. Esse número é o dobro do registrado entre julho de 2003 e dezembro de 2004, quando a média mensal ficou em 18. Em 2005, o número de concessões até setembro foi menor. Entre janeiro e agosto, foram autorizadas em média, por mês, o funcionamento de 7,36 rádios e TVs. Depois do dia 20 de outubro, o fluxo de autorizações também voltou ao normal. Segundo o levantamento do PFL, do dia 21 do mês passado até 7 de novembro haviam sido autorizadas oito concessões, média mensal de 13,3 autorizações. A liberação para o funcionamento de empresas de radiodifusão só foi menor nos primeiros seis meses do governo, quando não foi autorizado o funcionamento de nenhuma nova rádio ou televisão. ‘Isso nos faz acreditar que o governo deve ter ampliado o número de concessões para garantir a base parlamentar e a retomada da Presidência da Câmara dos Deputados’, afirma o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ). ‘O problema é que eles assumiram e ampliaram as práticas que o PT sempre disse que não eram corretas e que faziam parte de um grande fisiologismo do governo anterior. Eles conseguem fazer o fisiologismo e ampliar o que eles dizem ter sido feito no governo anterior’, disse o deputado. O levantamento do PFL foi feito com base nas concessões de serviço de radiodifusão enviadas pela Presidência da República ao Congresso. As autorizações para exploração dos serviços são enviadas ao Congresso numa mensagem do Executivo. Na Câmara, recebem a denominação de TVRs e tramitam como projeto de decreto legislativo. Procurada para falar sobre o assunto, a assessoria do Ministério das comunicações não retornou as ligações.’



ECOS DA DITADURA
O Globo

‘Lula manda enviar papéis do SNI ao Arquivo Nacional’, copyright O Globo, 20/11/05

‘A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deverá entregar ao Arquivo Nacional até 31 de dezembro deste ano todos os documentos produzidos e recebidos pelos extintos Serviço Nacional de Informação (SNI), Conselho de Segurança Nacional (CSN) e Comissão Geral de Investigações (CGI) durante a ditadura. É o que diz decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) e publicado na edição extraordinária do Diário Oficial que circulou anteontem à noite.

Lula se baseou na Lei 8.159/91, que trata do arquivo de documentos públicos e privados e determina que, ao fim do prazo de sigilo dos documentos, eles sigam para arquivo público. O governo criará um grupo de trabalho com membros da Casa Civil, da Advocacia-Geral da União, do Gabinete de Segurança Institucional, da Secretaria-Geral da Presidência, dos ministérios da Defesa e da Justiça para supervisionar o trabalho. Os documentos ficarão disponíveis ao público no Arquivo Nacional, resguardadas a manutenção de sigilo e a restrição ao acesso dos que tratem da vida privada ou cujo sigilo seja imprescindível à segurança do Estado.’



ALEMANHA E BRASIL
Alberto Dines

‘Alemanha rubro-negra’, copyright Último Segundo (www.ultimosegundo.com.br), 18:37 18/11/05

‘Nada a ver com futebol. Estamos acostumados com as combinações de cores sinalizando identidades desportivas e disputas nos sambódromos, mas não é esse o caso. A Alemanha, a partir desta sexta-feira, passou a ser formalmente bi-color quando os partidos vitoriosos em 18 de Setembro assinaram o contrato da Grande Coalizão produzida pelo quase-empate das urnas. Na próxima terça, Angela Merkel (nascida na Alemanha comunista e hoje líder democrata-cristã) será eleita a primeira chanceler na história do país.

O vermelho dos social-democratas e o preto dos conservadores representam há décadas muito mais do que uma polarização cromática ou rivalidade eleitoral: são pólos ideológicos de alta definição e densa tradição histórica, cujo antagonismo remonta ao sangrento intervalo entre as duas guerras mundiais.

‘Não se trata de um acordo meio preto e meio vermelho’ disse o novo vice-premiê e ministro do Trabalho, Franz Müntefering, social-democrata. O compromisso não deve ser visto como uma co-habitação à francesa, aliança parlamentar ‘naquela base’, à brasileira, pacto de consensos no estilo espanhol, abertura italiana tipo aggiornamento. É tudo isso e um pouco mais: minucioso programa de governo de 143 páginas, discutido ao longo de quase dois meses e cujo nome nos remete ao velho idealismo alemão: ‘Juntos pela Alemanha, com coragem e humanidade’.

No glossário político contemporâneo difícil encontrar algum projeto nacional referenciado pela palavra Menschlichkeit, humanidade e sua inevitável porção de humildade. Mas na Alemanha tudo é possível. Convém não esquecer que neste domingo comemoram-se os 60 anos do Tribunal de Nuremberg criado para julgar os crimes nazistas dentro do paradigma paz=justiça.

Apesar da entonação filosófica, trata-se de um programa econômico e não só isso, predominantemente fiscal. Em outras palavras: aumento de impostos. Os social-democratas, afinal, aceitaram o injusto aumento do IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado), em contrapartida os conservadores abriram mão de seus dogmas e engoliram um incremento na taxação das rendas mais altas, algo equivalente ao abominável ‘imposto sobre as fortunas’ que Walter Rathenau já propunha no início do século XX.

Seria possível imaginar o PT, o PSDB e o PFL sentados à mesma mesa para engolir as respectivas arrogâncias e pactuar um programa monetário capaz de acelerar o desenvolvimento do país? É claro que o Brasil não precisa aumentar a sua carga fiscal, mas se dentro do próprio governo polarizam-se as divergências sobre superávit primário e taxas de juros como fantasiar um acordão suprapartidário para acabar com a aberrante concentração de renda? Nosso encarniçado tribalismo é avesso às transigências.

Nossa vocação gremista transcende ao gramado de futebol, é ancestral, vem da submissão aos caciques e da devoção à religião do ‘aos amigos, tudo’. Tolerância não mora em nossas paragens.

Seria possível conciliar as facções e tapar os rachas do PT? Mesmo no fleumático PSDB, as diferenças entre José Serra e Geraldo Alckmin são tão visíveis, que não parecem originários do mesmo grupo. Os tucanos, reunidos em convenção nacional, aparentam uma elegância que nos remete imediatamente à ‘facada pela frente’ – para usar a expressão do então presidente FHC quando, em 2002, Tasso Jereissati resolveu torpedear a candidatura oficial do partido. Alckmin e Serra não colidem apenas no terreno dos projetos pessoais ou em matéria de estilo de gestão, são ideologicamente opostos.

A combinação rubro-negra foi a única alternativa encontrada pelas lideranças políticas alemãs para escapar do impasse e do caos. No momento em que o grupo Bush afunda-se no fundamentalismo e ajuda a enterrar o celebrado bi-partidarismo americano, a sofrida Alemanha oferece uma saída. Superior, pragmática e difícil, mas no momento, a única capaz de afugentar os fantasmas do sectarismo e do fanatismo.’



BRASIL & FRANÇA
Miriam Leitão

‘Os cidadãos’, copyright O Globo, 20/11/05

‘Passou em silêncio, como sempre, o aniversário da República, mesmo num governo que abusou, por três anos, da palavra ‘republicano’. Ela foi usada pelo PT como a síntese de todas as virtudes públicas que supostamente o partido encarnaria. Fatos reais revelaram o avesso. República não é sinônimo de democracia ou decência ou inclusão. Mas sempre alimentará o sonho de um país de cidadãos.

Há monarquias tão democráticas quanto repúblicas, como a espanhola, e repúblicas restringindo liberdades fundamentais. Certas monarquias parecem existir apenas para fornecer matéria-prima para os tablóides, como a inglesa dos Windsor, e até a mais amada das repúblicas, a francesa, encontra os muros das novas bastilhas. Já a nossa República sempre foi diferente, e por isso o 15 de novembro sempre será apenas um feriado. É preciso voltar aos nossos pensadores, como José Murilo de Carvalho, para se entender por que o povo, que assistiu ‘bestializado’ à proclamação da República, nunca a viu como o início da construção de um país de cidadãos. O olhar brasileiro para o passado é descuidado. Vai ver, é porque tão entretidos temos estado com as crises presentes, que nem há espaço para reflexões e olhares pregressos. O fato é que, no último 15 de novembro, a república modelo de todas as outras estava decretando toque de recolher, e aqui o noticiário preferiu comemorar o aniversário da Avenida Central.

Linda e parisiense, moderna e chic , a nova avenida nasceu da prancheta de Pereira Passos, na mesma modernização autoritária que levou à campanha da vacina obrigatória de Oswaldo Cruz. A imprensa divulgou, no centenário, imagem do dia da inauguração da agora chamada Avenida Rio Branco: uma avenida cheia de homens de chapéu e mulheres de longo. Um ano antes, em 1904, as ruas do Rio, centrais e periféricas, estavam lotadas de rebeldes dispostos a produzir uma cena como a da Paris de hoje. O Rio de 101 anos atrás tinha algo a ver com a Paris dos dias de hoje: a revolta da vacina deixou um saldo de 30 mortos, 945 presos, 461 deportados e um sem-número de bondes queimados, estabelecimentos comerciais quebrados, postes de iluminação pública derrubados.

A nossa revolta da vacina e a rebelião francesa das periferias de Paris guardam distâncias oceânicas e um mesmo mistério: por que certas fagulhas explodem? Por que explodem em determinado momento, nem antes, nem depois? A nossa fagulha daquela época tinha a ver com as escolhas da República. Ela nasceu com defeitos originais: foi proclamada no auge da popularidade da monarquia, não ampliou os poderes democráticos, não incluiu de início novos eleitores ao processo de escolha. Foi um ‘golpe de caserna’, disse o então embaixador francês, segundo relato de José Murilo de Carvalho. Onze meses antes, no dia 2 de dezembro de 1888, o aniversário de Pedro II produziu uma inequívoca demonstração da popularidade da monarquia. Segundo Raul Pompéia, o Paço foi alegremente invadido ‘por uma turba imensa de populares, homens de cor, a maior parte’, para comemorar o aniversário.

Em certos aspectos, a monarquia fez coisas de que até hoje a República duvida. O americano Roderick Barman conta, no seu livro ‘Princesa Isabel do Brasil’, que a nossa regente foi uma das apenas nove mulheres que assumiram o poder durante o século XIX. Somados os períodos em que esteve no trono, na ausência do pai, foram três anos e meio. Enfrentou um Brasil tão machista, que até hoje é a única. Jamais houve uma mulher, interinamente que fosse, no comando do governo federal. Nos governos locais, algumas; mas pelo menos uma tem feito questão de deixar claro, por gestos e palavras, que é o ectoplasma do marido.

O que há de interessante nas fagulhas que explodem é que se descobre que sempre soubemos que elas viriam. O presidente Jacques Chirac havia avisado sobre o risco nos subúrbios miseráveis de Paris. ‘Quando tantos jovens não vêem nada à frente a não ser desemprego, eles acabam se rebelando. Por um tempo o Estado pode lutar para impor a ordem, ou confiar nos benefícios sociais para evitar o pior. Mas até quando isso dura?’ A declaração, revisitada agora, choca porque foi feita em 1995. Logo depois Chirac virou presidente. E ele nada fez para evitar o que previu.

O desemprego de jovens virou um conflito intratável. Na França o desemprego tem estado em torno de 10% há anos, e o desemprego de jovens é 23%, um dos piores da Europa. O desemprego nas áreas pobres das cidades, que eles definem pelo eufemismo de ‘zonas urbanas sensíveis’, chega a 40%.

O que agrava a situação é a desesperança que se espalha numa sociedade incapaz de alimentar o sonho de ascensão. Se os filhos dos filhos dos imigrantes ainda são tratados como estranhos, o conflito se instala inevitavelmente. A sociedade francesa, que sempre se orgulhou do seu liberdade-igualdade-fraternidade, não tem um rosto negro sequer, ou moreno que seja, na Assembléia Nacional.

No Brasil, a revolta da vacina, que estourou no quinto ano da República, não ocorreu por crise econômica. A recessão de Campos Salles já havia acabado e o país estava em plena recuperação. A reação à vacina era pretexto. O que houve mesmo foi a seqüência de sonhos de inclusão frustrados. A abolição não incluiu os negros no mercado assalariado, a República decepcionou os que acreditaram na democratização do poder. Na primeira eleição votaram 2% dos brasileiros. São os sonhos perdidos que explodem, de repente, diante de uma fagulha. Na França, o detonador foi a tragédia de dois jovens infelizes. No Brasil, quando o desalento virará revolta?’