Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Críticas criticadas

Ser crítico, pelo puro prazer de criticar, já é doença crônica. ‘Crítico’, não no sentido socrático da palavra. Crítica talvez sincrética, cética. Fria e cruel. Crítica craniana, com traumatismos. Crítica obsessiva, a criticar acróstico e necrológio, descrição de crime e receita de croissant. Críticas que criticam por criticar, para nunca perder o hábito.

Aquela seria a crítica contente consigo mesma. Mas existe também a crítica acrítica. A que nada critica, para fugir a qualquer crítica. Crítica acéfala. E por isso mesmo será duramente criticada. Crítica polida, bastante lida, poupa a todos da berlinda. A crítica que nem mexe, nem remexe. Não sua, não soa, não sai, não sei, não, sim, tanto faz. Crítica que só deseja paz.

Uma terceira crítica a ser observada. A crítica irritada. A crítica sem critério. Critica sobretudo aquilo que mais aprecia. Críticos assim não há quem agrade. Quem suporte. Quem perdoe. Crítico resmungão. Nem ele mesmo se agüenta. Diz sim quando queria dizer não. Diz sim para contrariar e contrariar-se. Critica tudo e nada, contra a corrente. Se alguém concorda com ele, muda de opinião.

Arrebatado ao céus

Vários tipos de críticos ainda por criticar. Um deles, por exemplo, critica os outros para se criticar. É o crítico que aproveita o que no outro não parece ter proveito para identificar em si o que não tem jeito. Caso de terapia. Ou de polícia. Crítica sempre em crise. Crítico que no fundo procura na crítica a autocrítica que quereria saber fazer.

O crítico bonzinho também existe. Sua crítica é elogio deslavado. Não critica, apenas louva e adula. Não por medo: por profunda caridade. Tudo compreende, tudo aceita, tudo valoriza. O erro foi distração. A falha foi sem querer. O pecado foi venial. Põe na berlinda, mas só para dizer que é lindo(a). Interpreta tudo com benevolência. Esse crítico santo anseia a canonização, sua e de toda a humanidade. Sem advocatus diaboli, é claro.

E, para terminar (sem ter terminado), o crítico equilibrado, eqüânime, justo. Nem tão generoso a ponto de encobrir os defeitos, nem tão arguto a ponto de em tudo sempre encontrar suspeitas. O crítico serenamente apaixonado, indignadamente tranqüilo, subjetivamente objetivado. O crítico que pedimos a Deus, e que critica como o diabo gosta. O crítico perfeito que, se um dia houver, ou se houve um dia, foi, será arrebatado ao céus, numa carruagem de fogo.

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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)