Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Da farsa ao voto

A carência está para a promessa assim como a política está para a farsa, no que aquela traz de teatral em proximidade com o característico gênero burlesco – basta uma olhadela no horário eleitoral gratuito para entender o porquê. Tende, portanto, ao simulacro, com a criação de uma imagem claramente forjada pelas técnicas e artifícios do marketing político, na representação da personagem/candidato. Mas, ao contrário da farsa propriamente dita, cujo objetivo não seria mais do que arrancar gargalhadas ao público, dessa encenação política baixo cômica não somos nós, cidadãos/eleitores, a rir por último.

O palco já está armado para o espetáculo das eleições municipais – e até outubro os atores podem se pavonear histrionicamente pela conquista das honrarias do voto, no corpo-a-corpo e na decisiva arena midiática, com os referidos aparatos dos marqueteiros de plantão e a complacência e o pendor de alguns meios de comunicação – nesse camarim, quem pode mais, melhor se maquia.

Evidente que nem tudo é burla. Todavia há sempre o risco de se restringir o exercício democrático ao ato do escrutínio, e não à efetiva participação social, de consciência e respeito aos princípios de cidadania, estes, sim, requisitos para a legitimidade dos poderes e independência democrática, com a consequente qualidade dos serviços públicos, bem como planejamento e transparência administrativa.

Há quem goste dos falastrões

Na esteira disso, o que está em jogo é mais do que uma disputa pontual (quando não pessoal), permeada de presunção e fatuidade, tão comum a esse “artístico” meio – daí, as promessas servirem de cabedal àqueles que fazem das carências a plataforma de governo, sempre a reboque delas, em soluções improvisadas e a conta-gotas, na falta de prioridades ou de planejamento, movidos mais por interesses privados ou particulares, perpetuando novas promessas para eternas carências, num contínuo ciclo vicioso. Isso não é novo, vem no lastro de uma mentalidade arcaica e patrimonialista, porém travestida nas roupagens da publicidade e na terceirização das responsabilidades, como se a festa das licitações de toda ordem pudessem resolver todos os problemas.

A cada um, a sua medida – embora a graduação dessa régua seja exata, o uso parece variável – mas cabem a todos as consequências das atuais decisões. Por isso, a importância de se antecipar e prever, de planejar o desenvolvimento das cidades, das políticas locais, da articulação com os governos estadual e federal (e por que não, com o dos municípios vizinhos?).

Há pouco, a ONU divulgou o relatório “Estado das cidades da América Latina e do Caribe 2012”, sobre o crescimento populacional e a concentração dos habitantes nas áreas urbanizadas, bem como as projeções e consequências disso, com a expansão desordenada, a segmentação social e física, o déficit e precariedade das habitações e dos serviços públicos etc. O candidato (seja a vereador ou a prefeito) e o partido que não tenham ideia nem uma proposta de trabalho considerando esses fatores, além da gestão econômica e dos serviços sociais do município, da questão ambiental, educacional, da segurança e dos valores culturais, corre o risco de não passar de truão nesse palco eleitoral, embora sempre haja quem se encante e goste dos falastrões.

Verdadeira cidadania

Os meios de comunicação também devem (e podem) desempenhar papel relevante nesta campanha, primando pela clareza e objetividade em sua cobertura, não apenas na esteira mambembe dos fatos, mas na análise das propostas e discussões, observando as falácias dos discursos, para se obter o desenho mais fidedigno possível dos proponentes aos cargos públicos – esse o sentido de prestação de serviço público que a imprensa, por exemplo, pode ofertar.

A plateia – composta de cidadãos/eleitores – não deve se limitar à assistência passiva, tem mais que a premissa do voto, ainda que considerável parcela se iluda com o tom farsesco e tantas promessas para desmedida carestia. Tem a possibilidade e a capacidade de refletir e exercer a verdadeira cidadania. Afinal, todos têm o direito de rir a contento.

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[Afonso Caramano é funcionário público municipal, Jaú, SP]