Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Entre afetos e instituições

Não se sabe se por excesso de trabalho ou falta de atenção, a cada dia a mídia jornalística deixa de estabelecer conexões entre fatos que ela mesma noticia, ou perde a oportunidade de dar mais uma volta no parafuso e clarear um pouquinho a congestionada cena política do país. Exemplo recente foi a presença do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes no flamejante casamento da neta de Jacob Barata com o filho de Chiquinho Feitosa, no Copacabana Palace.

Se o ex-presidente do STF fosse apenas um convidado como outros, provavelmente lhe conviria agradecer, mandar um presente e ficar fora da conspícua celebração. Mirar-se, talvez, no exemplo do decano Celso de Mello, que em 25 anos de Supremo limitou sua presença extra-tribunal a eventos ligados às ciências jurídicas.

Mas Mendes foi padrinho de casamento. Por uma razão, à primeira vista, incontornável: sua mulher é tia do noivo, irmã de Chiquinho Feitosa. Razão familiarmente boa, mas profissionalmente nem tanto.

Não se vá aplicar a Mendes a razão perversa do lobo contra o cordeiro na fábula de Esopo: se os consogros Feitosa e Barata são rei e barão do transporte rodoviário de passageiros em Fortaleza e no Rio, há que se buscar alguma mácula na inserção social do juiz. Entretanto, aos ministros do Supremo cabe (caberia) entender que não basta à mulher de César ser honesta.

Pessoas que acompanham o trabalho do STF não acreditam que Mendes possa mudar um voto em função dessa ou daquela relação pessoal, mas é lícito, na tentativa de entender a cabeça dos juízes, analisar como se resolvem as ligações entre o peso do afetivo e o da toga.

Papai, quero ser desembargadora

O tópico da família remete à discussão sobre a “forcinha” que os ministros do STF Luiz Fux e Marco Aurélio Mello deram a suas filhas, respectivamente Marianna e Letícia, na batalha para se tornarem desembargadoras de tribunais de justiça. Assunto para Roberto DaMatta. Que ele não abordará porque está de férias e, quando voltar a escrever no Estadão, no início de agosto, o anjo da História de Walter Benjamin já terá visto passar muitas ruínas em seu voo de costas para o futuro.

Essa pertinente discussão se subordina hoje no Brasil, não mais do que em outras plagas, a cálculos eleitorais que em algum momento consistem em “desconstruir” o adversário, ou inimigo, perante a opinião.

Assim, o filhotismo de Fux e Mello pode ser visto, por governistas, de modo mais severo do que outros filhotismos porque os dois ministros votaram rotundamente pela condenação de mensaleiros. E quem votou contra petistas tão próximos de Lula não merece contemplação.

São ônus das paixões humanas. Os jornalistas, sem ignorar a emoção, não devem se contentar com o jogo das arquibancadas.