Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Falta educação aos bandidos ingleses

É difícil dar razão ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, mas ele foi o primeiro a romper os inexplicáveis eufemismos com que a mídia está noticiando os distúrbios de Londres, depois espalhados para outras cidades, como Manchester, Birmingham e Bristol, que resultaram na morte de vários cidadãos e na detenção de 2.800 suspeitos.

Para os jornalistas “politicamente corretos” foi mais fácil designar choques raciais aquelas desordens, concedendo até que seriam multirraciais, mas a informação não procede. Usaram um modo de ver as coisas neste caso e outro para o das escutas telefônicas feitas pelo agora extinto jornal News of the World, que resultaram na demissão imediata do próprio chefe da outrora intocável Scotland Yard, que os brasileiros de cultura média conhecem mais pelos romances policiais.

O que tem havido naquelas cidades é a atuação de bandos e gangues juvenis, integradas por jovens protegidos com bolsas governamentais. Provavelmente quem os incentivou nas redes sociais não saiu de casa para ajudá-los, apenas manipulou a rebeldia deles. Quando os ricos entram na vida dos pobres, em geral é para prejudicá-los. As redes sociais, designadas autoras de vários movimentos de reivindicação em tantos países, ainda não foram democratizadas. Fotos, roupas e principalmente o currículo e o estilo dos recados entregam os usuários.

Palavras e números

O primeiro-ministro ameaçou retirar dos programas de ajuda estatal as famílias dos desordeiros. Cameron disse num centro escolar do distrito de Oxford que é preciso rever as políticas sociais e reformar o sistema educacional para construir uma sociedade maior e mais forte. Em vernáculo, que inclua mais gente, pois esta é eficiente estratégia de fortalecimento.

No Brasil, o escritor e jornalista Janer Cristaldo, que vem de vencer um câncer que lhe deu sequelas no paladar, mas nada lhe tirou da costumeira audácia das críticas que faz à mídia no seu blogue, já tinha achado estranhos os excessivos cuidados dos jornalistas para não dizer as coisas como as coisas são.

A palavra bandit está na língua inglesa desde o século 16, nem sempre porém com esta grafia. Receptivo a palavras estrangeiras, o latim do império, antes britânico e agora norte-americano, trata de enriquecer-se com os novos vocábulos sem se preocupar muito com o modo de escrevê-los.

Assim, bandido entrou primeiro no italiano e no português, e só depois no inglês, que deu entrada, não como bandit, mas como bandito, em 1591. Sim, os bandidos são antigos. Shakespeare usa bandetto em Henry IV. O étimo comum a todos é o latim medieval banire, banir, proscrever. E bandido passou a sinônimo de proscrito.

Os bandoleiros foram registrados nas línguas antes dos bandidos. Neste caso, a procedência é outra: é o gótico bandwa, sinal. Este é o étimo comum para banda, bando, bandoleiro.

As palavras são ainda mais precisas do que os números. Elas devem designar as coisas como as coisas são. Depois é que significados e sentidos lhes são acrescentados.

Teorias esdrúxulas

Os rebeldes ingleses são hooligans com outra roupagem. Dos estádios já foram banidos. Das ruas ainda não.

Seria injusto discriminar a Inglaterra, a bola da vez nessas desordens urbanas que pouco a pouco vão tomando conta das ruas. Convém fixar corretamente as diferenças, que as há em profusão, entre as multidões que reivindicam direitos que lhes foram roubados por regimes ditatoriais, mesmo paradoxalmente apoiados por imensas camadas sociais, e as hordas de indivíduos antissociais que o que mais precisam – quem não vê? – é de educação. Educação cívica, pelo menos, condição para morarem na civitas, a cidade, e serem cidadãos.

Por coincidência, nas páginas amarelas de Veja desta semana há um duro ataque a intelectuais que, não por apoiarem bandidos, mas, pior do que isso, por produzirem esdrúxulas teorias que os absolvem ainda antes de praticarem seus crimes, devem ser vistos de outro modo, isto é, sem eufemismos, como cúmplices deles.

São intelectuais que se comportam assim até que aconteça algo com eles próprios. Daí, naturalmente, chamam a polícia.

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[Deonísio da Silva é escritor e professor universitário]