Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O antipetismo da grande mídia brasileira

Desde que chegou à presidência da República, com Luiz Inácio Lula da Silva, o Partido dos Trabalhadores tem sido alvo de uma intensa campanha orquestrada por setores do judiciário, do parlamento e, sobretudo, da grande mídia. Nesse sentido, a denúncia de procuradores do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-presidente Lula, “sem provas, mas a partir de convicções”, representa mais uma etapa do processo de ruptura democrática que tem como objetivo inviabilizar eleitoralmente a esquerda brasileira, de maneira geral, e o PT, em particular.

A empreitada antipetista ganhou consistência em 2005 com a Ação Penal 470, midiaticamente conhecida como “Mensalão”. Na época, o objetivo era impedir a reeleição de Lula e tirar de cena do jogo eleitoral seus potenciais sucessores: José Genoíno e José Dirceu. A partir de então, as sessões do judiciário se transformaram em uma espécie de reality show transmitidas em rede nacional, sendo Joaquim Barbosa alçado ao posto de principal paladino na luta contra a corrupção.

Apesar das prisões de políticos petistas, sob o argumento de “domínio dos fatos”, o espetáculo jurídico/midiático do “Mensalão” não alcançou seu principal fim. Lula não apenas se sagrou vitorioso nas urnas em 2006, como também elegeu sua sucessora: a ex-ministra Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil.

Entretanto, em 2013, surge uma oportunidade única para as forças antidemocráticas: as famosas manifestações de junho. Em um país onde centenas de milhares de pessoas nas ruas geralmente era sinônimo de festas carnavalescas ou comemorações futebolísticas, de repente eclodiram mobilizações populares reivindicando demandas históricas, como transporte coletivo urbano decente e serviços públicos de educação e saúde de qualidade.

A queda de Dilma como única solução

Diante da inevitabilidade em conter a onda de protestos, os setores conservadores da sociedade brasileira se apossaram das manifestações de rua e canalizaram suas forças para consolidar um sentimento nacional anti-PT. Nas redes sociais, apareceram inúmeras mobilizações contra a corrupção (associada exclusivamente ao Partido dos Trabalhadores), contra os impostos (para os mais ricos) e pelo impeachment da então presidenta Dilma Rousseff.

Com a temática moralista da anticorrupção mais em voga do que nunca, e as eleições de 2014 no horizonte, era preciso fomentar um grande escândalo que pudesse corroborar a ideia de que o Partido dos Trabalhadores era uma quadrilha responsável por saquear o Estado brasileiro. Surgia assim o chamado “Petrolão” e um novo herói midiático, o juiz Sérgio Moro.

Todavia, nem “Mensalão”, nem “Petrolão” e tampouco a intensa propaganda midiática em favor do candidato Aécio Neves foram suficientes para que a direita voltasse ao poder no Brasil. Parafraseando a famosa frase de Carlos Lacerda em relação a Getúlio Vargas: “Dilma não poderia ser candidata, se fosse, não poderia ser eleita, se eleita, não poderia tomar posse; e, se tomasse posse, não poderia governar.”

E foi justamente o que aconteceu. E assim seguiu a cartilha da grande imprensa durante o segundo mandato da presidenta. Primeiramente desgastar ao máximo o governo através de análises rasas e opiniões prontas para aqueles que sofrem de economia cognitiva. Depois, conceber o cenário político como insustentável (na torcida pelo “quanto pior, melhor”) para, finalmente, apresentar de forma tácita a queda de Dilma como única solução possível para reverter aquele cenário negativo.

Democracia, um lamentável mal-entendido”

Mas antes de derrubar Dilma era preciso dar um verniz popular aos ímpetos antidemocráticos. Mais uma vez entra em ação a mídia hegemônica convocando membros da classe média histérica a comparecerem às ruas com a camisa da CBF para protestar contra o governo. Para isso servem os indivíduos dispostos a atuar como massa de manobra.

Estava preparado o cenário para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No último mês de abril, em um domingo, dia da semana em que a maioria dos brasileiros tem tempo disponível para estar em frente à TV, começava o grotesco evento “político/midiático” que daria início à deposição de Dilma, concretizada no mês de agosto.

O fato de este evento “político/midiático” ter apresentado como personagem principal Eduardo Cunha, um dos políticos mais corruptos de nossa história, e, de outro lado, como antagonista, Dilma Rousseff, uma das únicas personalidades do alto escalão da política brasileira que nunca foi investigada por corrupção foi mero detalhe. Como diria um clássico pensamento político (erroneamente atribuído a Maquiavel), “os fins justificam os meios”. Ironicamente, meses depois, o próprio Cunha perderia seu mandato como deputado federal. Excelente pretexto para justificar a ideia de que a campanha contra a corrupção atinge a todos.

Com Dilma fora do páreo, é preciso prender Lula, maior liderança popular da história do Brasil e, não obstante, solapar qualquer possibilidade de o ex-metalúrgico ser candidato em 2018 (o exemplo de Vargas, na década de 1950, ainda assombra as classes dominantes). Surge então o chamado “impeachment preventivo”. Desse modo, a edição de quarta-feira (14/09) do Jornal Nacional parecia um tribunal de acusação contra Lula. Com semblantes tensos, os apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos repetiram as “convicções” dos procuradores do MPF: “Lula recebeu dissimuladamente três milhões e setecentos mil reais em propinas, parte de um desvio de oitenta e sete milhões de reais da Petrobrás, em três contratos com a OAS”, “Em uma avaliação geral da Lava-Jato, os promotores afirmam que Lula é o comandante máximo de um esquema de corrupção”, “governos petistas criaram uma propinocracia”, “Petrolão e Mensalão seriam duas faces de um mesmo esquema de governabilidade corrompida, de perpetuação criminosa no poder e de enriquecimento ilícito”.

Para concluir este artigo é importante frisar que, ao contrário do que pensam muitos apedeutas (os famosos “comentaristas de internet”), denunciar a perseguição midiática sofrida por políticos petistas não é relativizar casos de corrupção ou tampouco defender incondicionalmente o Partido dos Trabalhadores. O que devemos colocar em pauta é a seletividade do conteúdo dos principais noticiários brasileiros. Casos de condutas moralmente condenáveis por parte de políticos de partidos de direita geralmente são negligenciados.

Por outro lado, não é difícil entender os motivos para tanto ódio da imprensa hegemônica e das classes sociais mais abastadas em relação ao PT, pois, afinal de contas, o governo Lula ampliou de 499 para 8.094 o número de veículos que recebem publicidade estatal, diminuindo assim os lucros dos grandes empresários da mídia. Ademais, a ascensão social promovida na última década, apesar de não ter bases sólidas, fez com que indivíduos das classes baixas pudessem frequentar lugares que anteriormente estavam destinados somente às parcelas mais favorecidas da população. Essa “invasão” de pobres em aeroportos, restaurantes e shopping centers causou calafrios nas elites. Em última instância, para as classes dominantes, acostumadas a ver seus pares ocuparem os cargos máximos da nação, deve ter sido muito difícil ter que conviver durante oito anos com um governo liderado por um ex-retirante nordestino, oriundo da classe baixa e sem formação secundária. Conforme já apontava Sérgio Buarque de Holanda, “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestrando em Geografia