Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

O deputado e sua butique proibitiva

‘O sertanejo é antes de tudo um forte’, pontificou Euclides da Cunha em fins do século 19.

Monteiro Lobato viu no homem do interior de São Paulo, no caipira, um ser humano por trás dos preconceitos vigentes, observando que a indolência advinha de deficiências na alimentação, somadas à falta de higiene, agravadas pela verminose.

Juó Bananére, natural de Pindamonhangaba, conterrâneo do governador paulista Geraldo Alckmin, chegou a publicar um Manifestu Nazionale, arremedando a fala dos descendentes de italianos:

‘U uómo brasiliêre é figlio di tuttas razza: negro, índio, macaco, intaliano, ingreiz, turco, cearensi, pernambugano, gauxo, afrigano i allamó. Grazias a deuse io sô intaliano i sô figlio di mio paio i di máia e di maises ninguê’.

O estilo caipira foi absorvido pelo urbano, graças à pujança econômica do interior. Hoje o caipira tem expressões na música, nos rodeios, na roupa e em diversos outros usos e costumes.

E os nordestinos? Pesam sobre eles vários preconceitos, alguns deles semelhantes aos despejados sobre habitantes de outras regiões do Brasil. A presença de nordestinos em três dos mais altos cargos políticos – a presidência da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – trouxeram para o proscênio político a questão nordestina.

Preconceito é uma coisa. Conceito é outra. Ninguém lamentou na imprensa que um nordestino presidisse a Câmara. O modo, porém, como chegou àquele cargo suscitou apreensão: tudo indicava que nossos costumes políticos tinham sofrido mais um sério rabaixamento. Repito: não por ser nordestino o novo ocupante, mas pela nuvem que tapara o sol daquela votação.

As maiores vergonhas

As apreensões teriam cedido não fosse o presidente Severino Cavalcanti atiçar sobre elas outros ventinhos. Começou com a solerte proclamação – nem de insinuação se tratou – de que o presidente Lula estava a seus pés e tinha levado xeque-mate: ou nomeava o ministro que o partido de Severino tinha indicado ou o partido de Severino iria para a oposição.

Divergência de idéias, de programas, de rumos na vida nacional? Não. Nada disso. Vendas no balcão político, o tradicional toma-lá-dá-cá, certa vez assim definido por então deputado Roberto Cardoso Alves, durante a Nova República de José Sarney: ‘É dando que se recebe’. Pobre São Francisco de Assis! Justo ele invocado para o ilícito!

Pois Severino, depois disso, defendeu o nepotismo, ao expor sem nenhuma vergonha que todos os parentes que nomeou têm curso superior e assim procedendo ele atende a reclamos de melhor qualificação de funcionários da Câmara.

Agora veio dele mais uma pérola. Na semana marcada por uma chacina no Rio, em que tombaram dezenas de pessoas fuziladas por impunes comandos de bandoleiros uniformizados, portando armas da corporação militar, o presidente da Câmara vem propor o quê? Alguma contribuição dos deputados com algum novo recurso legislativo – quem sabe um projeto de lei – para coibir a anomia? Não. Ele está preocupado com beijos de gueis na televisão, com a pouca-vergonha que é homem com homem, mulher com mulher.

E o que propõe? A volta da censura. Ninguém deixou mais claro o que quer o presidente da Câmara do que o diretor de redação da revista Época, Aluízo Falcão: Severino Cavalcanti quer censurar a imprensa. E escreveu:

‘A televisão é o meio de comunicação mais democrático que existe. De um lado, porque é gratuita. De outro, porque oferece a opção imediata de trocar o canal caso a programação não esteja ao gosto do freguês. Por isso, em vez de patrocinar um projeto de lei que faça renascer a censura, é melhor apertar um botão e mudar de canal. Mais fácil, mais barato e menos hipócrita.

Assinemos com ele! Chega de censura! É sempre o ovo da serpente ou da minhoca, conforme o caso, mas é sempre a censura que é invocada na hora desses destemperos!

A sociedade brasileira já foi presa de vários manipuladores de opinião pública, uma força poderosíssima que na linguagem do falecido humorista gaúcho Carlos Nobre não podia ser jamais confundida: ‘Não confunda a força da opinião pública com a opinião da força pública’.

Os brasileiros de hoje, em parte graças à imprensa, sabem discernir que o beijo entre mulheres ou homens não é vergonhoso. As grandes vergonhas nacionais são designadas por outros nomes: empregar parentes, perseguir desafetos políticos, caluniar para manter o poder, excluir para que o público não veja a diferença entre competentes e incompetentes.