Monday, 13 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

O exemplo que vem da Argentina

A condenação à prisão perpétua pela Justiça da Argentina, no sábado, 2/4, do general Eduardo Cabanillas, um dos responsáveis pela Operação Condor, que entre 1976 e 83 torturou e matou, segundo os movimentos sociais organizados, 30 mil pessoas (os desaparecidos políticos) de vários países sul-americanos, é um exemplo que estava sendo esperado pelos familiares de desaparecidos políticos brasileiros para servir de espelho a uma pergunta de resposta óbvia: terá sido o perdão aos torturadores e matadores de presos políticos a causa da disseminação tão forte da cultura da impunidade no Brasil?

Também foram condenados três ex-agentes: o ex-agente Raul Gugliemimetti, a 20 anos, e os ex-espiões Homora Martinez Ruiz e Eduardo Ruff, a 25 anos de detenção. Um outro suspeito de crime contra a humanidade, Ruben Visura, morreu em fevereiro passado.

Infelizmente, continuamos no Brasil com a mania de resolver os problemas transferindo as soluções para o futuro. As condições em que foi negociada, entre 1974 e 76, a Lei da Anistia se enquadram nesse prisma. As negociações foram tão cuidadosas a ponto de, durante anos, em governos futuros, torturadores do regime e chefes da repressão serem nomeados como o prêmio para cargos comissionados do Brasil no exterior, como se nada tivesse acontecido. Mesmo durante os oito anos do Lula (PT) na presidência da República, ele mesmo um ex-preso político, documentos da ditadura continuaram sob guarda criteriosa do governo, pois só uma parte escolhida deles chegou a ficar acessível ao público. Esse comportamento só se explica pela imaturidade do esquema político no poder ou pelo medo que os ex-chefes da repressão continuaram a impor nos cargos que ainda ocupavam nos escaninhos dos sucessivos governos civis.

Cadáveres insepultos

É obvio que não se pode só atribuir a criminalidade hoje crescente no Brasil apenas a esse fator cultural, mas é preciso que se use esse exemplo argentino para mostrar que é necessário se quebrar esse esteio da impunidade enquanto é tempo. Pois marchamos para um país que tende a transformar-se em menos de 20 anos na terceira ou quarta economia do planeta, com um índice de impunidade que coloca o Brasil entre as 10 nações de maior subdesenvolvimento cultural do mundo. Se alguém pensa que chegaremos ao patamar das grandes nações sem consolidar a nossa história política-cultural está redondamente equivocado.

A Argentina ouviu o clamor das mães da Praça de Maio e começou a punir os símbolos da repressão. Quando vai acontecer isso no Brasil? As indenizações recebidas do Estado por uma parte dos perseguidos, torturados, assassinados e seus parentes, decisões já chanceladas por alguns ex-líderes da repressão como “bolsas”, forma de ironizar os indenizados, foram soluções arranjadas, paliativas, de se tentar tapar o sol com a peneira.

É preciso que sejam reabertas, nos tribunais superiores, novas discussões para se dar um fim a essa impunidade histórica: embora sejam apenas, aparentemente, 157 desaparecidos políticos, os corpos dos presos, torturados e mortos no Araguaia, por exemplo, continuam insepultos. Será que o Brasil esperava apenas a eleição de uma mulher para a presidência da República para ser reaberta a vala onde estão amontoados os cadáveres deles para serem entregues aos parentes para sepultamento?

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Jornalista e autor de Desaparecidos Políticos (prisões,tortura e assassinatos), edições Opção e CBA (1978), em parceria com Ronaldo Lapa