Thursday, 03 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Quando falta o debate vence a mediocridade

É inegável que o fechamento da RCTV configura um ataque imenso à liberdade de imprensa na Venezuela. Fato este que ganhou editorias pelo Brasil e nos principais jornais pelo mundo, mas afora as questões superficiais que envolviam os ataques a Hugo Chávez, ou então o apoio às suas justificativas, a imprensa não conseguiu refletir o acontecimento de uma forma mundial e como instrumento de evolução do próprio meio.

Não podendo concordar com a ação de Hugo Chávez, que fere os pilares da democracia e a base fundamental em que está fixada toda a atividade de comunicação do qual a imprensa é uma de suas maiores vertentes, os jornais pelo mundo foram totalmente avessos à ação de Chávez, tornando toda a questão da RCTV num jogo maniqueísta sem fundamento.

A emissora venezuelana não é, nem nunca foi, um veículo democrático e imparcial como acabou sendo, de certa forma, retratada pela imprensa mundial. Aqueles que acompanham a questão com certo tempo sabem que a RCTV tem, acima de tudo, interesses políticos com a Venezuela, sendo patrocinada por políticos que apóiam estes interesses; sabem que a emissora distorce informações e ‘transforma’ a realidade, através tanto da omissão quanto do tratamento dado às notícias e demais programas exibidos pela rede. Ademais, a RCTV foi, dentro da Venezuela, o principal agente em ação de guerrilha destinada a destituir do poder o então ainda reeleito presidente Hugo Chávez.

Melhoria social

Assim como o ‘Socialismo ou morte’, a emissora não é o porta-estandarte da verdade e da democracia, o que também não dá às instâncias do poder público venezuelano o direito de lhe negar a concessão do sinal, visto que as atuais emissoras na graça de Chávez cometem a esmo os mesmos abusos e fazem da verdade um jogo entre norte-americanos e latinos, da mesma forma com que George, em 1984.

Porém, todos os abusos cometidos pela RCTV transformaram-se em argumentos para que Chávez colocasse a emissora não como um veículo de comunicação, mas como um ‘colaborador do imperialismo opressor’ que tanto maculou a história da Venezuela, em outras palavras, um inimigo a ser combatido em prol do esclarecimento do povo e da democracia. Fazendo o mesmo jogo que a RCTV fazia com Chávez, que era o ditador malvado da esquerda que, como Stalin e Mão, estava oprimindo o povo em busca de sua pseudo-revolução.

Ambos são argumentos estúpidos e povoados de preconceitos históricos que a imprensa mundial cuidou de retransmitir como se a questão fosse resumida nestes pontos, esquecendo de colocar em pauta a função da mesma, que é zelar pela informação afim de ser o ‘porta-voz’ dos acontecimentos, para que a população possa tomar suas decisões informada da situação em que se encontra seu país frente ao mundo, numa constante busca pela melhoria social (função utópica, mas que está inscrita em cada ata de abertura ou em cada documento de concessão para veículo de imprensa).

Objeto de barganha

Sendo assim, a imprensa esqueceu de dizer que em momento algum a RCTV resolveu repensar os moldes em que estavam fixados sua linha editorial e que, acabou ‘pagando’, segundo Hugo Chávez, pelos crimes que cometeu. Seria a mesma coisa que Lula exigir que a Rede Globo encerrasse suas atividades para, em seu lugar, colocar o sinal de sua TV pública, visto a total falta de compromisso que a Globo tem para com a informação isenta de interesses.

Esta posição imbecil da imprensa – de zelar pela liberdade de expressão, como se nessa ‘liberdade’ estive inscrito o princípio do descompromisso social – é ridícula e inaceitável. Como todos os membros de uma sociedade, a imprensa tem seus deveres e suas funções, assim como o Estado tem também seus deveres e suas funções; porém a imprensa configurou-se de tal forma um ‘poder’ paralelo, que não aceita ser questionada e nem tampouco debatida. Qualquer discussão sobre meios para coibir os abusos da imprensa, ou mesmo da publicidade (que movimenta fortunas para os veículos de comunicação), é tida como uma ação contra a democracia e taxada de inconstitucional, criando toda uma aura de ‘céu e inferno’ e escondendo toda a sujeira que envolve o meio. Basta ver o recente episódio no Brasil da Operação Navalha que, em determinados estados e regiões, é como se não tivesse acontecido, visto que os envolvidos diretos com o esquema são donos de jornais e retransmissoras de TV. E o tal do compromisso com a democracia? E o direito do povo à informação?

A ação de Hugo Chávez é totalmente hipócrita e deve ser condenada, assim como o enforcamento de Saddam e a guerra no Iraque, mas quando falta o debate vence a mediocridade e, enquanto a imprensa for mesquinha e desvinculada da sociedade em que está inserida, nada pode ser feito, pois ela sempre dará argumentos para que ações do mesmo tipo sejam feitas em outros países. Quem perde com tudo isso é o povo, que paga os impostos, patrocinado uma briga de interesses totalmente avessos a esse mesmo povo.

A informação veiculada pela imprensa não pode ser objeto de barganha, senão, como na ilustração de Carvall para a seção ‘Tendências/Debates’ (Folha de S.Paulo, 26/05/07), ela afunda num mar de ideologias e subjetividades no qual impera o ‘bem e o mal’ e no qual o povo…, bom o povo é massa.

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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP