Friday, 10 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

Um suspeito ‘culpado’

Desde a morte da inocente criança Isabella Nardoni, de 5 anos, não se ouve mais nada na imprensa brasileira além desse assunto. A morte de tal criança é de chocar: cair ou ser jogada do 6º andar de um prédio é uma história escandalosa, um fato para Hercule Poirot ou Sherlock Holmes desvendarem. Cada passo da polícia, dos peritos, do pai e da madrasta, ou até mesmo da mãe, são seguidos de perto pela grande imprensa e pela mídia em geral, claro. A maior dúvida está em saber quem ganha mais audiência ou vende mais jornal com essa desgraça.

Vejamos: não há problema da imprensa publicar, repetitivamente os novos fatos da morte de Isabella. O grande problema reside na responsabilidade que a mídia tem de separar a realidade do boato, as verdades das mentiras. Os suspeitos primários são o pai e a madrasta, lógico, pois Isabella estava, naquele instante, sobre a responsabilidade deles. No entanto, não devemos acusá-los pelo crime nesta altura da história, primeiro porque não é nosso trabalho e todos, familiares e sociedade, estão sensibilizados.

No Observatório da Imprensa, em 2 de abril, sai um artigo de Luiz Antonio Magalhães, intitulado ‘O caso Isabella Nardoni é uma nova Escola Base?‘. Para quem não lembra ou não conhece o caso Escola Base, vamos aos fatos. No início de 1994, diversos jornais publicaram uma série de reportagens acusando os donos e alguns funcionários, num total de seis pessoas, de estarem envolvidos em abuso sexual cometidos contra as crianças daquela escola. Nas prerrogativas da investigação, o delegado deu um parecer a imprensa, baseado em laudos do IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo. A imprensa condenou as pessoas. Com o passar do tempo, viu-se que todos eram inocentes judicialmente, vale salientar. Porém, a imprensa já os tinha condenado, ou seja, nunca mais as vítimas teriam suas reputações restabelecidas.

‘Leviandade é crime’

Voltando ao texto de Luiz Magalhães, ele esboça essa preocupação, pois jornais paulistas já condenam o pai de Isabella. Com o decorrer da investigação, ele pode vir a ser culpado, mas creio que esse não é o papel da imprensa (julgar), e sim, publicar fatos que dêem subsídios para que a população possa criar suas opiniões.

Ainda no artigo do Observatório, podemos verificar que o autor, assim como eu, não defende o pai ou a madrasta. Alertamos, sim, para que não haja mais uma vez a condenação prematura de cidadãos que, até o momento, não devem nada à justiça. O delegado declarou à rede Globo que o pai era suspeito. A Globo e alguns jornais colocaram o pai (de suspeito pela polícia) a culpado pela imprensa.

Por fim, uma frase retirada do artigo de Clóvis Rossi, publicado na Folha de S.Paulo (2/04), intitulado de ‘Leviandade é crime’: ‘Nem importa, no caso, se vier a se comprovar que o pai é mesmo culpado. Não cabe ao delegado, ao menos nesta fase da investigação, dizer quem é ou não suspeito. Se o pai for de fato culpado, será punido ao fim da investigação. Se for inocente, já está punido.’ E a culpa será da calorosa e irresponsável imprensa.

******

Estudante de Jornalismo, Natal, RN