Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Sistemas alimentares: desafios da cobertura na imprensa de um campo transdisciplinar

(Foto: Kkolosov/Pixabay)

Há alguns anos, a ciência vem apontando um cenário complexo, que atinge praticamente o mundo inteiro e envolve uma série de fatores. À primeira vista, o contexto pode parecer um tanto desconexo, com fenômenos isolados: vê-se um aumento da insegurança alimentar (ou sua manutenção em países que sofrem historicamente com o problema), a inegável e concreta ameaça das mudanças climáticas, a persistência da desigualdade social e o aumento da prevalência de doenças crônicas (como diabetes ou hipertensão arterial), entre outros fatores.

Apesar de tão distintas, essas questões têm um denominador comum. Todas derivam ou são impactadas pela forma como a sociedade global organiza a logística dos alimentos – do cultivo à mesa, passando pelas diversas etapas do processamento. Ou seja, têm relação direta com os atuais sistemas alimentares.

Com a missão de conectar a ciência brasileira ao jornalismo, a Agência Bori aceitou o desafio de disseminar evidências científicas sobre o campo dos sistemas alimentares – território ainda pouco explorado pelos meios de comunicação. Desde o início de 2021, e com o apoio do Instituto Ibirapitanga, a área ganhou status de “grande tema” na Bori, juntando-se à Covid-19 na categoria.

Quando falamos em “desafio”, não é à toa. A noção de sistemas alimentares mostra uma importante disparidade entre ciência e jornalismo. Enquanto o tema já é estudado com a sua devida abrangência em universidades e centros de pesquisa Brasil e mundo afora, a área sequer é bem compreendida pelos veículos brasileiros – sejam eles tradicionais, independentes, regionais ou nacionais.

Hoje, a cobertura na mídia de sistemas alimentares existe, mas é fragmentada, refletindo a própria lógica da imprensa. A divisão do conteúdo jornalístico por editorias como ambiente, saúde e agro, de certa forma, dificulta conexões entre temas que se relacionam entre si, e acaba por inibir um olhar mais amplo, sistêmico. Assim, o aumento da prevalência de doenças crônicas ganha espaço na editoria de saúde, enquanto o caderno de economia aborda a promessa dos novos produtos à base de plantas (por vezes ultraprocessados) como se essas fossem duas discussões isoladas. Afinal, de qual editoria jornalística é a pauta sobre o aumento da fome no Brasil?

Aos poucos, no entanto, os olhares se ampliam – e a Bori tem o orgulho de colaborar para a construção deste novo ponto de vista. Ao longo de 2021, por exemplo, ministramos duas edições de nosso curso sobre sistemas alimentares voltados a jornalistas, o “Explorando pautas alimentares“. Cerca de 50 profissionais de imprensa de todo o Brasil tiveram aulas com cientistas de diversas áreas relacionadas ao tema, como agronomia, ecologia e saúde pública, entre outras.

A formação também ocorreu em sentido oposto: pesquisadores dessas áreas também aprenderam sobre o funcionamento da imprensa e como identificar boas pautas em suas produções científicas por meio do programa “Noticiando alimentação“. São formas de aproximar jornalismo e ciência para gerar informações de qualidade e acessíveis para todos.

E o reflexo desse esforço já apareceu nos jornais impressos, digitais, na televisão, em podcasts. Prova disso são as disseminações de artigos científicos inéditos de pesquisadores do Brasil sobre sistemas alimentares feitas pela Bori aos jornalistas cadastrados na Agência. Apenas em 2021, foram mais de 20 textos compartilhados, que geraram cerca de 400 publicações na imprensa escrita sobre uma série de temas, como impactos ambientais da dieta brasileira ou a regulação de bebidas açucaradas.

Esse resultado nos impulsiona a seguir enfrentando o desafio. O ano de 2022 apenas começou, mas já temos uma série de ações previstas para continuar fazendo o que está em nosso DNA: conectar jornalistas e cientistas para oferecer conteúdos relevantes e informativos, com credibilidade. Afinal, a ciência deve estar em todas as editorias.

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Murilo Bomfim é coordenador da área de Sistemas Alimentares na Agência Bori e escreveu este artigo a convite da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).

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A RedeComCiência é uma associação apartidária e sem fins lucrativos, criada em fevereiro de 2018, para reunir profissionais interessados em discutir, amplificar, viabilizar e melhorar o jornalismo e a comunicação de ciência no Brasil. Ela é formada por profissionais das áreas da comunicação, divulgadores científicos e cientistas de todo o Brasil.