
(Foto: Divulgação)
Paixão de infância, assim Rosa Freire d’Aguiar afirma a escolha pelo jornalismo.
Mais que vocação ou profissão, um modo de vida. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1971, d’Aguiar trabalhou para diversos veículos de comunicação no Brasil, como as revistas Manchete e Fatos & Fotos, até embarcar para Paris.
Ao reunir suas memórias do tempo de correspondente sob a forma de crônicas em Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas (São Paulo: Companhia das Letras, 2023, 360p), d’Aguiar apresenta a visão e a atuação profissional itinerante de uma jornalista correspondente nos anos 1970 e 1980 e tudo que pertence à atividade.
d’Aguiar recupera não só o espaço, mas também um tempo. O tempo do cotidiano, da vida e a sua atividade profissional, o ser jornalista, legando à crônica o espaço da memória pessoal e o relato de experiência de sua atuação.
Estão lá os profissionais envolvidos, os equipamentos, as pautas, a redação, inclusive a cobertura de guerra. É possível, assim, entender como era o dia a dia da profissão, a rotina de trabalho, o todo que faz do jornalismo vocação, escolha, encanto e profissionalismo. Fazer jornalismo para d’Aguiar nunca deixou de ser aprender, compreender e transmitir.
Ela conta que desceu em Paris em 1973 na condição de freelancer com a sua máquina de escrever em estojo, nova, recém-adquirida numa loja no centro da cidade do Rio de Janeiro, e com a ideia de escrever reportagens para a Revista Manchete. Na Manchete ficou até 1976. Desempregada, fez um curso de formação profissional em jornalismo investigativo e, em 1977, passou a colaborar com a recém-lançada Revista IstoÉ.
Ela conta: “se na redação havia muitas editorias distintas, nós, correspondentes, éramos uma espécie de veículo todo-o-terreno, tendo de circular com a mesma desenvoltura em pistas diversas, mais e menos acidentadas, que hoje poderia ser uma insurreição no Chade, amanhã um atentado no País Basco, passando pela nomeação de um aiatolá na República do Irã, pelas travessuras da Caroline de Mônaco ou pelos cinquenta anos de Brigitte Bardot.”
No livro, d´Aguiar reúne ainda 21 entrevistas. Norma Bengell foi entrevistada no outono de 1973, em seu apartamento da Avenue Junot; Françoise Giroud, no gabinete luxuoso da ministra com móveis de estilo Luís XV e lambris de madeira. Mas foi preciso esperar oito anos para conseguir uma entrevista com o desconfiado dramaturgo Eugène Ionesco.
Até que se encontraram: Com quem quer falar? Com monsieur Ionesco, respondi apreensiva diante de mais uma negativa. Ionesco foi desconcertante: Vou ver se ele está. Não afastou o rosto, sequer fingiu que foi chamar o dono da casa. Não se deu ao trabalho de disfarçar: Ele está, sim; sou eu, pode entrar.
D´Aguiar permaneceu por 15 anos como correspondente brasileira em Paris até que resolveu, ou precisou, deixar o jornalismo ao considerar conflito de interesses a nomeação de seu marido, o economista Celso Furtado, para o Ministério da Cultura do Brasil.
Esse parecia ser o ponto final de uma trajetória bem-sucedida de uma correspondente brasileira em Paris. D´Aguiar passou então a se dedicar a traduções literárias e à edição de livros. Até que apareceu Sempre Paris para reavivar a jornalista que foi um dia.
Sempre Paris é, portanto, um relato ao estilo da crônica de uma profissional em ação e o seu tempo, memórias que formam um documento importante sobre a prática do jornalismo, sobretudo da atividade como correspondente, como ela viveu e mostrou, um generalista.
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Gustavo Sobral é jornalista, mestre em Estudos da Mídia (UFRN). É também bacharel em Direito e, atualmente, graduando do curso de História (UFRN). Seus artigos e livros gratuitos para download estão disponíveis no site: www.gustavosobral.com.br.
