Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As lições não aprendidas em Nuremberg

Fico ‘zapeando’ canais de televisão. Os noticiários têm um clima de videoclipe. Tudo muito frenético, colorido, imagens sobrepostas. Reportagens trazendo gravações em áudio de criminosos, pessoas filmadas na penumbra, geralmente denunciando ou testemunhando um assassinato ou uma chacina. O medo pairando no ar. E o vício de ao chegar em casa e mudar da GloboNews para a BandNews, da Globo para o SBT, do Jornal da Record para o Jornal 24 horas. Em minutos me vejo em meio aos destroços de uma bomba caída em Basra ou será em Bagdá? Em outro segundo, vejo explosões em rodovias libanesas. Já outro segundo descubro que um míssil recém-caído em Haifa (Israel) não chegou a ser detonado.

E logo vem o Brasil com as notícias em escalada de integrantes do PCC em cidades do interior paulista. No meio de tudo isso mais uma pesquisa de opinião sobre eleições e a caravana holidei do Jornal Nacional percorrendo cidades aparentemente imaginárias, sempre começando com uma frase dita em tom grave por Pedro Bial, um misto de repórter com filósofo urbano. Mais alguns segundos e já não consigo lembrar de nada e minha mente confunde lugares com pessoas, explosões com atentados, crimes comuns com chacinas orquestradas. É o showrnalismo em ação: tudo em pequenas frações de segundo dando conta de que algo de muito ruim está acontecendo em algum lugar do mundo.

Penso no filme que assisti nas últimas 24 horas, chamado Tribunal de Nuremberg, com Alec Baldwin interpretando o promotor Jackson para os criminosos sobreviventes ao IIIº Reich Nazista. O tribunal teve seus trabalhos iniciados em 9 de dezembro de 1946 e julgou 23 pessoas – 20 das quais, médicos – que foram consideradas criminosos de guerra, devido aos brutais experimentos com seres humanos. O tribunal demorou oito meses para julgá-las.

Lembro de uma fala, verídica, do nazista Albert Speer, que terminou condenado naquele tribunal a 20 anos de prisão. Ele assumia sua responsabilidade com o genocídio dos judeus e terminava dizendo frases assim: ‘Enquanto houver tecnologia, ela será primeiro empregada para ações de destruição em massa. No futuro mísseis teleguiados arruinarão cidades, em alvos estrategicamente escolhidos e com precisão cirúrgica’. Aquele foi, até os dias atuais, ‘o maior julgamento da história’. Henry T. King Jr., acusador de Nuremberg pontificou: ‘Vamos lutar para estabelecer aquela corte permanente, para dar às futuras gerações alguma coisa que possam utilizar para processar aqueles que apostam na guerra contra a humanidade.’

O próximo estágio

Vale lembrar que o Tribunal de Nuremberg teve como objetivo maior manter a memória da humanidade e trazer para o momento atual o debate destes aspectos que, infelizmente, nem sempre são lembrados, com o objetivo de prevenir que situações como estas não ocorram novamente. Mas que continuam ocorrendo, 60 anos passados. Ruanda, Bagdá, Balcãs, Oriente Médio. Palavras que evocam palcos tenebrosos de como o ser humano pode ser a mais letal arma de destruição. Não. Ninguém é inocente. Hiroshima e Nagasaki, também com 60 anos de dolorosa história me dão testemunho. Mas lembrei também de outro Albert. Sobrenome: Einstein. Ao ser perguntado como seria uma possível Terceira Guerra Mundial, teria respondido, cofiando o bigode branco: ‘A terceira não posso imaginar. Mas com a força atômica em mãos de potências, posso antever que uma Quarta Guerra Mundial será feita por homens com paus e pedras, pois já não existirá civilização possível.’

Nos labirintos da memória, encontro um fio de esperança com a reflexão pausada dessas poderosas assertivas escritas pela Casa Universal de Justiça em 1985, o Ano Internacional da Paz, conforme foi designado pela Organização das Nações Unidas:

A Grande Paz – para a qual as pessoas de boa vontade orientaram os seus corações através dos séculos, acerca da qual inúmeras gerações de profetas e poetas expressaram as suas visões, e cuja promessa foi continuamente reafirmada ao longo das eras nas escrituras sagradas da humanidade – encontra-se agora, finalmente, ao alcance das nações. Pela primeira vez na História, é agora possível ver o planeta em sua totalidade, com os seus mil e um povos diversificados, a partir da mesma perspectiva. A paz mundial não é somente possível, mas inevitável. É o próximo estágio na evolução deste planeta – ou, conforme disse um grande pensador, ‘a planetização da humanidade’.

Se essa paz será alcançada somente depois de horrores inimagináveis, precipitados pelo apego obstinado da humanidade a velhos padrões de comportamento, ou se será concretizada agora através de um ato de vontade coletiva – eis a escolha que se oferece a todos os que habitam a Terra. Nesta conjuntura crítica, em que os problemas de difícil tratamento que confrontam as nações foram fundidos numa preocupação comum pelo bem-estar do mundo todo, a nossa inércia face à maré de conflitos e de desordem seria por demais irresponsável.

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Escritor, jornalista, professor de pós-graduação do Uniceub (www.cidadaodomundo.org)