
(Foto: Programa Observatório da Imprensa na TV)
Com direção de Ugo Giorgetti, produção da SP Filmes e financiamento da Fundação Conrado Wessel, um documentário sobre Alberto Dines está em processo de realização. Cofundador do Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Unicamp) ao lado de Carlos Vogt, o jornalista vai ter sua trajetória profissional narrada em filme. Alberto Dines foi pioneiro da crítica de imprensa, idealizador da coluna Jornal dos Jornais, na Folha de S. Paulo e do Observatório da Imprensa, além de um dos fundadores do Projor. Norma Couri, jornalista e viúva de Dines, colabora com a pesquisa e o roteiro.
O desafio é fazer um recorte que concentre, mas que também guarde um olhar amplo, não excludente, sobre a narrativa de uma vida, “uma força vertical bastante grande para aludir, provocar, motivar, pela sensibilização dos fatos, aquilo que vai constituindo uma vida inteira”, nas palavras do linguista Carlos Vogt. Essa missão explica por que a verve de um cineasta é necessária para compor um documentário sobre Alberto Dines. Mais do que uma biografia profissional panorâmica, que busca dar conta da totalidade dos feitos e dos fatos, a ideia é ter uma peça audiovisual que traga para o centro das atenções um pensamento constantemente inquieto e “uma atitude que é uma referência para o comportamento, eu diria profissional, com responsabilidade social, política, intelectual e existencial, que foram as marcas da trajetória do Dines”, como diz Vogt.
Atualmente presidindo a Fundação Conrado Wessel, o linguista, professor e poeta Carlos Vogt conta que a ideia de produzir um documentário sobre Alberto Dines se insinuava há alguns anos, como decorrência da estreita ligação profissional e institucional que eles tiveram, dos trabalhos e iniciativas que desenvolveram e promoveram juntos “e sobretudo da importância e do papel do Dines no jornalismo brasileiro”.
A oportunidade surgiu quando, ao lado do cientista e então presidente da Fundação Conrado Wessel, Erney Plessmann, Vogt desenhou um projeto de comunicação que incluiu a criação da Revista FCW Cultura Científica, a fotobiografia Insista, não desista, assinada pelo curador e crítico de fotografia Rubens Fernandes Junior, e um documentário sobre o homem que não apenas batizou a instituição, mas que a criou. O nome de Ugo Giorgetti surgiu naturalmente e resultou no média-metragem A invenção de Conrado Wessel (2024). Vogt relembra: “Quando nós conversamos sobre esse documentário, eu falei para ele que também tinha muita vontade de fazer um trabalho sobre o Dines”. Giorgetti topou.
O cineasta não nega o desconcerto de lidar com um personagem cuja herança intelectual inclui a autoria de 15 livros e um arquivo de dimensão faraônica: “Dines tem uma frase: uma biografia não termina nunca”. Eu estou achando que uma biografia do Dines não tem fim”, revela, com humor.
Em plena fase de pesquisa, a tarefa de selecionar material do acervo e descrever o homem, no entanto, ele divide com Norma Couri, decana do jornalismo brasileiro e viúva de Alberto Dines: “Eu arquivava tudo. Ele nunca se deu a menor importância. Ele fazia as coisas e eu saia atrás para arquivar. Nosso escritório deve ter uns 30 mil livros, além de documentos importantes sobre o jornalismo, vídeos, fotos”. Esse material testemunha os principais marcos da carreira de Alberto Dines. Foi o primeiro ombudsman do Brasil, figura que ele mesmo inaugurou com a criação do Jornal do Jornais, em 1975, na Folha de S. Paulo. Essa coluna foi publicada ininterruptamente até 1977, e originou, em 1996, o website Observatório da Imprensa, “que era a menina dos olhos dele”, revela Couri. Em 1998, esse projeto é lançado como um programa de televisão apresentado por Dines, na TV Cultura e na TVE Brasil (atual TV Brasil).
Para o diretor do documentário, Couri é mais do que uma colaboradora no trabalho de seleção do material e composição do roteiro: “Ela é uma personagem desse filme. É uma pessoa que viveu 43 anos com ele, é uma fonte primária de alta qualidade. Ela vai aparecer como partícipe dessa história”. Norma Couri frisa que se vê não somente como a viúva, mas como alguém que teve a vida partilhada com o jornalista, também como jornalista. “Eu faço questão de não posar de a mulher do Alberto. Foi um casamento que a gente vivia tudo junto. E o jornalismo sempre foi a nossa vida”.
Para Ângela Pimenta, jornalista e ex-presidente do Projor durante os últimos anos de vida de Alberto Dines, um dos seus legados mais importantes para jornalismo brasileiro diz respeito à integridade, “seja em termos de sua relação com o exercício democrático da cidadania ou com os deveres (protocolos e transparência editorial) que o jornalismo tem junto à sociedade”. Ela não esquece do entusiasmo de Dines, que descreve como alguém incansável quando o assunto era a crítica do jornalismo e da mídia de forma geral.
“Me lembro de uma fala do embaixador Celso Lafer durante o enterro de Dines, dizendo que a partir dali ele estaria ‘vivo em nossa memória’. Nesse mesmo sentido, um documentário sobre o Dines é uma forma poderosa de avivar sua memória entre nós”, afirma.
Para Ugo Giorgetti, o que não pode faltar em uma narrativa que se dedica ao jornalista Alberto Dines e à divulgação do seu trabalho, é “a descrição do seu caráter de liberdade e desassombro”. “Ele não tinha medo de nada, ele trabalhava em liberdade ou procurava trabalhar em liberdade”, afirma. Entre os vários exemplos dessa coragem, a atuação durante a ditadura militar brasileira. Norma Couri recorda que Alberto Dines foi quem noticiou o golpe militar que derrubou Salvador Allende, no Chile, em 1973, ao publicar, no Jornal do Brasil, “uma capa histórica, cega, sem manchete sobre o fato, mas contando o que aconteceu. Aí ele foi demitido e foi ser Visiting Professor na Columbia”, conta.
Carlos Vogt, por outro lado, não esconde o entusiasmo em relação à produção do documentário. “Para mim é uma grande satisfação, uma felicidade estar na situação de quem nesse momento tem condições e pode promover um documentário como esse”, declara.
“Eu fiquei muito feliz com essa produção, era desejo dele que a história não se perdesse. Porque a história dele é a história do jornalismo também”, conclui a viúva de Alberto Dines.
A História agradece.
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Liniane Haag Brum, doutora em Teoria e Crítica Literária (Unicamp), é pesquisadora convidada do Labjor/Unicamp, onde desenvolve um projeto de divulgação da obra não ficcional de Ugo Giorgetti, financiado pela FAPESP. É escritora, autora e docente.